Por Ana Tereza Basilio* — No Rio de Janeiro, quase seis mil processos são iniciados diariamente perante o Poder Judiciário — o equivalente a 250 por hora, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De janeiro a dezembro de 2023, o total de novas ações chegou a 2.181.141 no estado. Recorrer a tribunais para dirimir conflitos ou fazer valer direitos não observados é o que se espera de uma sociedade civilizada, em um país democrático. Para isso, o acesso da população à Justiça, direito fundamental assegurado pela Constituição, precisa ser exercido, de fato, sem empecilhos, embaraços ou regras restritivas.
Em território fluminense, no entanto, os valores cobrados por serviços públicos prestados pelo Poder Judiciário, a título de custas judiciais, representam uma ameaça. De 2021 a 2023, houve um aumento de 45% nos preços praticados no Rio de Janeiro, a segunda maior alta do Brasil — atrás apenas do estado de Alagoas ( 50%). Contra esse expressivo e injustificado aumento, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi ao STF, mas a Corte decidiu que não teria competência para revisar valores de custas.
Muitas reuniões, então, foram realizadas entre a OAB e a administração do Tribunal de Justiça (TJRJ) para requerer redução de ao menos 30% nos valores em vigor. O pleito, no entanto, não foi atendido. E, durante o recesso forense, em 28 de dezembro de 2023, o TJRJ aplicou mais um aumento nos valores das custas judiciais, desta vez com base na variação da Ufir.
Não há justificativa aceitável para esse patamar de aumento de preços. Nos últimos três anos, a inflação (IPCA) calculada pelo IBGE subiu 21,8%. É contra esse estado incongruente de coisas que a Seccional Rio de Janeiro da OAB (OABRJ) lançou a campanha "A Justiça Custa um Absurdo", cuja primeira iniciativa é um abaixo-assinado, disponível em seu portal na internet, que será levado ao CNJ. Não podemos admitir que o acesso à Justiça seja obstado pelo valor cobrado por serviços inerentes à atividade judiciária, e que ainda se estende ao tabelamento das custas cartorárias. Quem mais sofre com essa situação é o cidadão comum, que vê ameaçado o seu direito à tutela jurisdicional.
Para se ter uma ideia, um agravo de instrumento custa hoje R$ 783,00, ou seja, mais de meio salário mínimo. Com os acréscimos legais, o valor total chega a R$ 1.067,92. Durante o curso de uma ação cível comum, um advogado pode ingressar com quatro, cinco agravos, em média. Ou seja, a parte pode gastar mais de R$ 5 mil somente com essa modalidade de recurso — fora o que já pagou de custas e taxa judiciária, além das custas de outros recursos, cujas interposições se façam necessárias. São valores absolutamente incompatíveis com a realidade social do Rio de Janeiro, sobretudo no interior do estado.
É também tarefa hercúlea e inglória requerer gratuidade de justiça para clientes com poucos recursos. A advocacia de todo o estado reporta que são muito raros os casos de deferimento de justiça gratuita, no âmbito da justiça estadual, se a parte não é representada pela Defensoria Pública. E em cidades do interior não é fácil conseguir atendimento adequado por meio da defensoria. Estudo divulgado em 2021 pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que o Rio de Janeiro apresentava deficit de mais de 500 defensores públicos para atendimento à população de baixa renda.
É preciso, portanto, que tenhamos custas compatíveis com a capacidade de pagamento daqueles que precisam do Poder Judiciário. Custas não são tributos. Taxa judiciária é para remunerar um serviço, e não pode ter as feições de um imposto. Quem pretende buscar soluções na Justiça não pode encontrar nesses valores um obstáculo que dificulte o exercício da própria cidadania.
A OAB reafirma o compromisso fundamental com os direitos da população. Não mediremos esforços para garantir que a Justiça seja mais acessível a todos.
*Vice-presidente da OAB-RJ
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