Visão do direito

Artigo: "O Pacheco do presente precisa ouvir o Pacheco do passado"

Brasil foi o último país a abolir a escravidão e aparentemente também será o último a regulamentar o mercado de drogas postas na ilegalidade

Cristiano Maronna e Felipe Angell -  (crédito: Divulgação/Justa)
Cristiano Maronna e Felipe Angell - (crédito: Divulgação/Justa)
postado em 11/04/2024 06:00

Por Cristiano Maronna (advogado e diretor do JUSTA, foi presidente do IBCCRIM) e

Felipe Angelli (É advogado e coordenador de Advocacy do JUSTA)

Não há lei penal que traga consequências mais negativas do que a que criminaliza o consumo individual e privado de drogas. A iniciativa é um fracasso absoluto, pois as drogas nunca foram tão baratas e disponíveis como hoje, e — segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime — o grau de pureza das substâncias ilícitas consumidas também aumentou. Fato é que vivemos uma proibição de direito, mas uma legalização de fato. Nenhuma pessoa interessada em obter drogas terá a menor dificuldade para encontrá-las.

Mas se a criminalização das drogas não teve qualquer efeito positivo sobre a oferta e a demanda dessas substâncias, há outros efeitos concretos na Justiça Criminal, tendo em vista que aproximadamente 30% dos mais de 644 mil presos no país estão na cadeia por crimes ligados a drogas. Pior, pesquisa recente do Ministério da Justiça e do IPEA demonstram que negros são 68% dos réus nos processos da Lei de Drogas, dos quais 67% não chegaram ao ensino médio.

Esses dados deixam muito claro que a lei não atinge o comércio e o consumo de drogas, mas impacta a vida de milhares de jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade, que muitas vezes encontram no tráfico de drogas uma possibilidade de obter alguma renda. Pouco se fala também da pressão sobre o orçamento do aparato repressor que sustenta essa criminalização. Pesquisa do CNJ de 2021 estima em R$ 1,8 mil o custo médio por preso no Brasil e estudo do JUSTA, com dados de 12 estados, mostra um gasto de mais de R$ 12 bilhões no sistema prisional, ultrapassando investimentos em áreas fundamentais como cultura e habitação.

Mesmo assim, o Senado Federal, liderado pelo próprio presidente Rodrigo Pacheco, inaugurou uma disputa vulgar com o STF, que há nove anos julga um recurso especial sobre a constitucionalidade da lei penal que criminaliza a posse para consumo pessoal de drogas. No ano passado, 31 senadores apresentaram uma proposta de emenda constitucional para a criminalização do consumo de drogas, na contramão do que vem ocorrendo no mundo, onde cada vez mais países reconhecem o fracasso absoluto da guerra às drogas e buscam por novas políticas para proteger a saúde de usuários e da sociedade. Para além do disparate da proposta, chama a atenção a absoluta falta de debate sobre os custos sociais e orçamentários dessa alteração.

Somente neste último mês, duas propostas que avançaram no Congresso terão um imenso impacto na Justiça Criminal e na administração penitenciária, aumentando ainda mais o número de pessoas encarceradas. Além da PEC das Drogas, também foi aprovado um projeto que basicamente extingue o regime semiaberto na execução da pena, sob pretexto de limitar as saídas temporárias de presos. É surpreendente que parlamentares tão preocupados com a responsabilidade fiscal, alinhados aos interesses do mercado financeiro e críticos contundentes do deficit público, não tenham a menor preocupação com gastos públicos quando se trata de endurecer a repressão penal.

Já existe na Câmara dos Deputados projeto que busca obrigar legisladores a produzirem estudos de impacto orçamentário e social quando da alteração da lei penal. O PL tem origem nas 16 propostas legislativas contra o encarceramento em massa apresentadas pelo IBCCRIM e outras organizações da sociedade civil em 2017. Foi relatado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pelo então deputado Rodrigo Pacheco, que votou pela aprovação da proposta.

Em seu relatório, o Pacheco do passado defende o exato oposto do Pacheco do presente. Em suas próprias palavras, é preciso combater "uma legislação que apenas atende a clamores sociais por maximização do sistema punitivo, sem a devida problematização de suas consequências orçamentárias e sociais, que podem ser ainda mais gravosas à paz social".

Estimativa produzida pela Fiocruz (3º Lenad) indica que 9,9% dos brasileiros usaram drogas ilegais ao menos uma vez na vida, 3,2% no último ano, 1,7% nos últimos dias. Não é possível que nossos legisladores realmente acreditem que devemos botar na cadeia toda essa gente. E ainda que acreditem, falta explicar como vamos pagar por isso.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão e aparentemente também será o último a regulamentar o mercado de drogas postas na ilegalidade. Considerando que ainda são negros os que sofrem os impactos mais negativos da criminalização, não é exagero dizer que a guerra às drogas é continuação da infâmia escravagista. É hora de aboli-la, de uma vez por todas.

Consultório jurídico (Por Priscila Perdigão, advogada e especialista em direito da saúde)

Como evitar abusos no reajuste anual dos planos de saúde? O que o consumidor não pode aceitar?

O consumidor tem o direito de comparar o reajuste anual de seu plano de saúde com os índices autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mesmo nos casos de planos coletivos por adesão ou empresariais, é viável pleitear a revisão dos índices de reajuste e a aplicação dos índices estabelecidos pela ANS. É imprescindível que o consumidor esteja ciente de que qualquer aumento percentual deve ser devidamente justificado pela operadora, respaldado em cálculos adequados.

Portanto, o consumidor deve requerer a apresentação da memória de cálculo do reajuste e da metodologia utilizada pela operadora. Nos planos individuais e familiares, a operadora é obrigada a observar o índice estipulado pela ANS. Além disso, os consumidores têm o direito de evitar abusos relacionados aos reajustes decorrentes de mudanças na faixa etária, uma vez que tais ajustes devem ser claramente especificados no contrato, incluindo a faixa etária e o percentual de aumento. Caso contrário, tais reajustes não são permitidos. 

Outro abuso que os consumidores podem evitar está relacionado à sinistralidade, que é aplicada levando em consideração os custos médico-hospitalares da operadora. Nesse sentido, os consumidores devem verificar se tais custos foram transparentemente repassados ao consumidor, especialmente no que diz respeito ao índice aplicado.

Por fim, é crucial que os consumidores estejam cientes de que qualquer aumento percentual deve ser devidamente justificado pela operadora, respaldado em cálculos adequados. Portanto, é recomendável que os consumidores solicitem a apresentação da memória de cálculo do reajuste e da metodologia utilizada pela operadora. É importante ressaltar que o cliente não deve tolerar que as operadoras de planos de saúde efetuem reajustes sem a devida observância aos critérios legais, devendo buscar, por via judicial, a redução desses índices, substituindo-os pelos que estavam previstos em seu contrato.

Nos casos de reajustes anuais em contratos de planos de saúde, é imperativo que o índice aplicado esteja dentro dos limites máximos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ademais, tais reajustes devem ser realizados exclusivamente na data de aniversário do contrato, em conformidade com as disposições normativas pertinentes.

Por outro lado, nos contratos que adotam o reajuste baseado nas faixas etárias, configura-se como abusivo quando o incremento percentual na 10ª faixa ultrapassa seis vezes o índice aplicado à primeira faixa. É igualmente vedado promover aumentos na última faixa etária. Tais medidas são implementadas com vistas a resguardar os consumidores de reajustes excessivos e desproporcionais.

No que concerne aos reajustes por sinistralidade, é relevante salientar que a ausência de fiscalização direta por parte da ANS pode propiciar a aplicação de índices elevados, contribuindo para a disseminação dessa prática. Entretanto, é factível contestar reajustes abusivos por meio de demandas judiciais, na hipótese de ser verificada a falta de fundamentação adequada ou a utilização de metodologias inapropriadas para o cálculo do ajuste.

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