Por Sergio Bruno Cabral Fernandes* — Problemas complexos, como a corrupção, não são solucionáveis em definitivo. Solução, a rigor, remete a algo permanente, estático. E não é assim que os sistemas complexos funcionam. Esses, na verdade, podem apenas ser gerenciados, administrados e manejados de modo que seus efeitos sejam estabilizados.
Lidar com problemas complexos é algo como conduzir uma bicicleta. No começo, o guidom oscila para um lado e para o outro enquanto tentamos estabilizá-lo. Depois de alguma prática, os punhos parecem estar em repouso e tem-se a ilusão que o problema do desequilíbrio foi solucionado. Porém, na realidade, estamos gerenciando milimetricamente a direção, a fim de que ela permaneça alinhada, num ponto de "equilíbrio dinâmico". É algo que nunca se pode dar como pronto e acabado. Estamos sempre ajustando a rota e corrigindo distorções quando, por exemplo, passamos por um buraco, fazemos curvas fechadas ou encontramos um obstáculo.
Então, a corrupção tem solução? Essa pergunta possui armadilhas. Ela dá a entender que existe "a" solução. Portanto, bastaria encontrar "a" causa do problema e tudo estaria solucionado. Para fugir dessa cilada simplista, investigue a pergunta e veja se ela é apropriada para o tipo de problema em questão.
Repare na lógica mecanicista do tudo-ou-nada contida na indagação. Tem solução ou não tem. Sistemas complexos não operam numa lógica binária, sim-ou-não, preto ou branco, certo-ou-errado. Eles possuem inúmeras variáveis e interconexões. São dinâmicos, voláteis e adaptativos. Cada caso é único e o problema de ontem, amanhã já ganha novos contornos. Não existe "a" solução. Balas de prata não funcionam no mundo da complexidade.
Esse raciocínio, que busca soluções definitivas e completas, serve para problemas simples, como aqueles gerados por sistemas mecânicos. Por exemplo, numa máquina, por mais complicada que pareça, identificamos "a causa" do problema (o defeito), consertamos e esperamos que volte a funcionar. Se não der certo, repetimos o processo. Essa é a lógica mecanicista.
Sistemas complexos, por outro lado, não geram um defeito a ser consertado ou uma peça a ser substituída. Os problemas complexos, na realidade, têm natureza de dilemas, impasses, vicissitudes e adversidades. Não há apenas uma causa isolada a ser combatida, mas sim, uma multiplicidade de causas que estão interconectadas e, dessas relações, emergem mais outras causas.
Vejamos um exemplo hipotético, vagamente baseado em fatos reais. Um diretor de uma estatal é pego cobrando propina de uma empresa. Qual a causa da corrupção? Uma resposta instantânea seria: o diretor que cobrou a propina. E qual a solução? Fácil, demite-se o diretor. Problema solucionado.
Calma, não tão rápido assim. Melhor olhar para os lados antes de atravessar a rua ao encontro da solução fácil. Permanecer mais tempo na calçada das perguntas permite ampliar o horizonte. Quem colocou esse diretor no cargo? A pedido de quem? Por que a empresa aceitou pagar a propina? Há quanto tempo isso ocorre? É um fenômeno isolado? Ou uma prática disseminada, horizontalmente e verticalmente, no governo? Quem antecedeu o diretor no cargo, foi o "Sr. seis"? E quem irá substituí-lo no cargo, será o "Sr. meia dúzia"? A propina era toda para o "corrupto"? Ou havia outros beneficiários? Em outras palavras, esse diretor corrupto é um lobo solitário?
Durante tais reflexões, feitas enquanto aguarda-se aparecer a luz verde do semáforo, choverão potenciais respostas. Se, em vez da solução certeira, sua análise injetar ainda mais complexidade ao problema, é sinal de que você está pensando com clareza. Placas sinalizando "patrimonialismo"; "apadrinhamento" e "clientelismo" irão passar por sua mente acima do limite de velocidade.
Dobrando a esquina, suas ponderações irão passar por cruzamentos, que exigem ainda mais atenção. Democracia versus "captura do Estado"; eleições livres versus caciques donos de partidos de aluguel; base "aliada" versus "toma lá dá cá". Após tantas encruzilhadas, vale fazer o retorno e voltar à pergunta: qual é a solução para o problema? Demitir o corrupto?
Isso seria como pescar num balde, mesmo sabendo que ele está boiando num oceano onde causas e consequências da corrupção se misturam. Portanto, e essa talvez seja a única certeza, o problema não admite soluções simplistas.
Assim, ao se lidar com problemas complexos, o objetivo não é encontrar a solução exata, pronta e acabada. Esse remédio milagroso, que buscamos usando um pensamento linear (problema>ação>solução), não existe quando lidamos com situações complexas. O fato de não haver soluções definitivas para problemas complexos, entretanto, não significa que eles não possam ser resolvidos.
A solução do enigma, pois, é lidar com o problema de maneira realística, sem ilusões, em busca de um ponto de equilíbrio. Como no caso da bicicleta, um "equilíbrio dinâmico". Ou, nas palavras de Bertalanffy, pai da teoria geral dos sistemas, um "equilíbrio fluente".
No caso da corrupção, esse equilíbrio fluente seria o equivalente a colocar a corrupção na prateleira das excepcionalidades perenes, em vez de ser nossa configuração padrão de se lidar com a coisa pública. A frequência da aparição dessa exceção irá variar conforme nossa habilidade em "conduzir" o problema, mas sempre irá existir.
E por que isso é relevante? Enxergar essa diferença é crucial. Saber que não existe uma solução divina afasta a tentação de se pegar o caminho mais cômodo, porém estéril, de se pedalar uma bicicleta ergométrica apenas pelo fato de ser mais fácil e seguro. Embora encarar a complexidade traga incerteza, insegurança e percalços, é o único trajeto fértil que nos permite seguir em direção ao destino desejado.
*Promotor de Justiça no Distrito Federal e mestre emdireito pela Universidade Cornell (Ithaca, NY, EUA).
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