Por Clarissa Fiqueiredo Lobo* e Eduardo Fiorucci Vieira* — A litigância predatória tem sido pauta de vastas discussões e emissão de notas técnicas pelos tribunais brasileiros. Pela definição da Corregedoria Nacional de Justiça, consiste em litigância predatória a provocação do Poder Judiciário mediante o ajuizamento de demandas massificadas com elementos de abusividade e/ou fraude.
Atento à temática, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Tema Repetitivo 1.198, aguardando julgamento, realizou uma audiência pública para versar sobre a judicialização predatória e o poder geral de cautela dos tribunais. Em pauta, tratou-se da crescente preocupação com tais práticas, que utilizam o sistema judicial de forma abusiva, atentando contra o interesse público e a eficiência do próprio Judiciário.
Por meio do Tema Repetitivo 1.198 do STJ, foi submetida a julgamento a seguinte questão: possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários. O recurso representativo de controvérsia é o REsp 2.021.665/MS, proferido em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR)
Assim, a discussão em lastro no STJ fortaleceu o poder geral de cautela dos tribunais, incentivando os magistrados a atuarem preventivamente, coibindo o uso indevido do processo judicial. Durante a audiência pública, abordou-se amplamente como os tribunais podem melhor identificar e mitigar a litigância predatória. Medidas como a aplicação de sanções, a exigência de maior transparência nas petições e a imposição de multa por litigância de má-fé em casos considerados abusivos foram sugeridas como formas de dissuasão.
A atuação dos tribunais locais para coibir as práticas ofensoras é uma resposta aos graves danos causados ao Judiciário. Os prejuízos são de duas ordens: o consumo de recursos públicos e o dispêndio de tempo. Ambos poderiam ser direcionados ao processamento de demandas que traduzem o regular exercício do direito de ação. Além do custo evolvido, toda estrutura é comprometida com o aumento relevante do tempo médio de tramitação processual.
Em resposta aos danos, foram implantados pelos Tribunais, por meio das Corregedoras-gerais, os Núcleos de Monitoramento de Perfis de Demanda, que contribuem para o adequado enfrentamento dos pontos de litigância ofensora, e o surgimento de dados relevantes sobre a massificação de ações predatórias.
Apurado pelos Numopedes, as instituições financeiras têm sido alvo desses litigantes. Demandas que versam sobre ações declaratórias de inexistência de débito, revisionais e discussão de empréstimo bancário, acompanhados de indenização por danos morais, possuem pelo menos 30% da distribuição média mensal de manifestação de litigância predatória, culminando no abarrotamento, já mencionado, do sistema jurisdicional.
A discussão levada ao STJ, por meio do tema 1.198, impactará e reforçará, sobremaneira, a atuação dos magistrados e tribunais para enfrentar as diversas manifestações do abuso do direito de ação. Mais ainda, com o apoio das diversas instituições que buscam o estreitamento com o Poder Judiciário, posto que identificam o perfil ofensor em sua esteira, estimula-se a racionalização da prestação jurisdicional por meio da construção de precedentes qualificados que permitam assegurar a legitimidade do acesso ao sistema de justiça e a mitigação da litigância predatória.
Em consideração ao exposto, vê-se a relevância da temática e da necessidade de atuação conjunta dos magistrados e dos tribunais, em suas diversas instâncias, para monitorar as práticas de abuso do direito de ação, visando o seu adequado enfrentamento.
*Clarissa Fiqueiredo Lobo é advogada do Banco BMG, formada pela PUC de Pernambuco
*Eduardo Fiorucci Vieira é superintendente jurídico do Banco BMG, formado pela Fadisp e especializado pelo Insper
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