Por Hugo Luiz Schiavo* — O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, adiou pela quarta vez a portaria 3.665/2023, sobre autorização de trabalho no comércio aos domingos. A hesitação do Ministério do Trabalho revela que a proposta apresentada pelo Poder Executivo, no sentido de submeter à negociação sindical o funcionamento aos domingos de diversos setores do comércio, está longe de encontrar o consenso no Congresso Nacional e no setor empresarial. A exigência de prévia negociação sindical para funcionamento do comércio aos domingos não consta na lei e, portanto, tal requisito deveria ser deliberado e incluído apenas pelo Poder Legislativo.
A controvérsia não surpreende porque as questões relativas à jornada de trabalho envolvem direitos de toda a sociedade e possuem histórico de polêmicas, e até conflitos, no mundo moderno. A regulação da jornada de trabalho, na Constituição e na CLT, possui múltiplas disposições. A regra geral da jornada de trabalho, regida pela CLT, é da limitação a oito horas diárias, que, aliás, remete ao período imediatamente posterior à primeira guerra mundial, por exemplo, França e Portugal, em 1919.
A semana de cinco dias de trabalho e oito horas diárias, conhecida como semana inglesa, curiosamente, foi anunciada por Henry Ford em 1926 para "Ford Motors", sendo uma inovação à época, com objetivo de aumento de produtividade e, ao mesmo tempo, beneficiar os trabalhadores. Nota-se que a semana de cinco dias de trabalho consolidou-se nos mais variados países há um século, portanto, a alteração ou superação desse modelo não será simples, porque moldou a forma de trabalho da sociedade global. Atualmente, a hiperconexão e extrema velocidade da circulação e acesso de informações e comunicações desafiam continuamente o bem-estar geral e saúde mental das pessoas e dos trabalhadores.
Novas abordagens sugerem adoção da semana de quatro dias de trabalho, por exemplo, na tentativa de se aprimorar a relação entre tempo e resultado, na qual mais horas de trabalho não representam maior produtividade. As novas gerações começam a questionar a cultura de trabalho excessivo, porque o trabalho em extensa carga horária não é sustentável a longo prazo, em razão dos efeitos prejudiciais à saúde e bem-estar geral que, ao final, acabam prejudicando a produtividade dos trabalhadores.
Deve ser feita ressalva de que a semana de quatro dias de trabalho não pode se aplicar, ao menos em curto e médio prazo, a relevante número de relações de emprego, porque há setores econômicos em que se demanda disponibilidade contínua para atendimento de clientes, nos horários de funcionamento dos estabelecimentos, ou da produção, que não pode sofrer interrupções.
É interessante notar que alguns autores, empresas e executivos têm repensado a forma de utilização do tempo com o objetivo de obter maior reflexão e criatividade, a serem revertidas em prol da vida pessoal e profissional, reforçando os aspectos essenciais da atividade empresarial. Nos casos em que as configurações do trabalho se adaptem à semana de 4 dias, a implementação poderá ser o exemplo a ser seguido paulatinamente por demais setores. Porém, o trabalho informal ou autônomo caminha em sentido oposto e os trabalhadores nessas condições trabalham mais que 44 horas semanais, chocando-se com as proposições de redução de trabalho semanal para os trabalhadores formais.
A semana de quatro dias de trabalho ou mesmo a redução do limite de horas semanais é tema de controvérsia e irá variar de acordo com a peculiaridade de cada trabalho. É importante que seja aprofundado e submetido ao diálogo da sociedade, subsidiado por amplas pesquisas e estudos.
*Hugo é sócio do escritório A. C Burlamaqui Consultores. Bacharel em direito pela PUC-RIO, em 2000. Diretor da ACAT (Associação Carioca Advogados Trabalhistas) desde 2019
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br