Visão do Direito

A casa de Gusttavo Lima quase caiu: o que isso tem a nos ensinar?

"Da regulação do mercado à sucessão de operações policiais envolvendo as bets, o que temos hoje é um cenário de intensa instabilidade"

Luiz Augusto Rutis, advogado criminalista, professor de prática penal no IDP e mestrando em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP -  (crédito: Divulgação)
Luiz Augusto Rutis, advogado criminalista, professor de prática penal no IDP e mestrando em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP - (crédito: Divulgação)

Por Luiz Augusto Rutis* — Foi impossível que o caso passasse despercebido. Gusttavo Lima — cantor, empresário e, agora, presidenciável (a que ponto chegamos?) — quase foi preso. Tudo por conta de uma investigação que acabou sendo arquivada.

Por um lado, o arquivamento, ocorrido em janeiro de 2025, evidencia o excesso na decisão judicial que decretou sua prisão em setembro de 2024.

A população, de forma geral, teve um vislumbre daquilo que os especialistas já conheciam: no Brasil, muitas vezes, é preciso muito pouco para que alguém seja preso. Afinal, como algo pode ser tão grave em determinado momento para se revelar irrelevante menos de seis meses depois?

Por outro lado, esse caso é apenas mais um em meio a tantos que ocupam o noticiário e o Judiciário. Da regulação do mercado à sucessão de operações policiais envolvendo as bets, o que temos hoje é um cenário de intensa instabilidade.

Essa instabilidade apresenta diversas facetas que merecem reflexões específicas. Aqui, quero me deter em uma delas: a instabilidade jurídica. Ela é fruto de uma desconfiança evidente por parte dos órgãos de controle. Polícia, Ministério Público e Judiciário encaram com ceticismo aqueles que atuam ou dizem atuar no mercado de apostas. Essa desconfiança se traduz em uma vigilância mais rigorosa, que, por vezes, identifica problemas reais e, em outras, enxerga problemas imaginários.

Esse cenário aumenta os riscos jurídicos, particularmente os penais, para quem pretende se envolver empresarialmente com o setor, seja de forma direta (ingressando no negócio), seja de forma indireta (por meio de publicidade, por exemplo). Gusttavo Lima iniciou sua relação com a "Vai de Bet" como garoto-propaganda.

Se há um incremento do risco jurídico, há também um aumento da responsabilidade dos advogados em informar o empresariado sobre o novo panorama. Um exemplo ajuda a ilustrar a questão.

Você sabia que, antes de comprar um imóvel, é recomendável contratar um arquiteto para vistoriar o local? Um imóvel, especialmente os mais antigos, pode demandar reformas cujos limites e possibilidades só um profissional qualificado pode determinar. Muitas vezes, esses contornos influenciam diretamente a decisão de compra.

E o que isso tem a ver com Gusttavo Lima e o mercado de bets? Tudo.

Da mesma forma que não se pode exigir de uma pessoa leiga o conhecimento sobre a necessidade de contratar um arquiteto, não é razoável esperar que um cantor soubesse dos riscos penais envolvidos na atividade empresarial em que estava entrando.

A questão é que esse cenário de vulnerabilidade informacional do cliente impõe um dever ao profissional.

Assim como os arquitetos precisam educar seus clientes sobre essa demanda real, mas invisível ao leigo, cabe ao advogado capacitar o cliente para enxergar aquilo que está oculto. Em se tratando de riscos jurídicos-penais, acredito que esse caminho informacional passe pelo diálogo entre criminalistas e colegas de outras áreas do direito.

Se não queremos que o empresário aprenda pela dor (como foi o caso do cantor), é necessário conscientizá-lo sobre aquilo que é real, mas invisível aos seus olhos.

Aqui vai a primeira lição: o grau de vínculo com o negócio determina a extensão do aumento do risco jurídico-penal.

Vimos muitos influenciadores envolvidos na propaganda de bets, mas pouquíssimos estão vinculados ao negócio de forma consistente. Uma coisa é ser garoto-propaganda; outra é ser sócio. Gusttavo Lima atrelaria a remuneração da publicidade à participação acionária na empresa. Essa decisão aumentou significativamente o risco jurídico-penal - algo que, provavelmente, ele desconhecia.

Lição nº 2: empresários, ouçam seus advogados, profissionais capacitados para utilizar o conhecimento jurídico a fim de agregar valor ao negócio. Imaginem o dano reputacional e financeiro que tanto o cantor quanto a empresa sofreram. Tudo isso poderia ter sido evitado com a adoção de algumas cautelas visíveis apenas aos olhos treinados.

No caso de Gusttavo Lima, sua história funciona como um cautionary tale - um conto de advertência para alertar sobre um perigo - no qual esse autor assume o papel de narrador. Que o leitor atente para essa advertência e transforme sua relação empresarial com o mercado de bets em um exemplo a ser seguido, e não evitado.

*Advogado criminalista, professor de Prática Penal no IDP e mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP

 

Opinião
postado em 23/01/2025 03:10
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