
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) relacionada à tentativa de golpe para manter Jair Bolsonaro conta a vontade das urnas detalha uma trama para destruir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente Alexandre de Moraes. Contra o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e relator do inquérito sobre os atos antidemocráticos, houve até mesmo um plano de assassinato.
No documento de 270 páginas, protocolado na última terça-feira no STF, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, detalha as táticas empregadas. Os relatos indicam que o grupo bolsonarista envolvido na trama golpista mantinha uma rivalidade declarada com os ministros do STF. O ódio nutrido pela Corte os levou a fazer declarações mentirosas contra magistrados. Havia uma intenção de prender Moraes e "neutralizá-lo", numa operação batizada com o nome de "punhal verde e amarelo".
A denúncia relembrou que, em 7 de Setembro de 2021, durante os festejos cívicos na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo, o ex-presidente declarou que não acataria mais as decisões da Suprema Corte, acreditando contar com o apoio das Forças Armadas. "As investigações da Polícia Federal revelaram que o pronunciamento não foi um mero arroubo impensado e inconsequente", destacou o documento.
Na ocasião, Bolsonaro também atacou o ministro Luís Roberto Barroso e, especialmente, o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de "canalha". Ao então presidente do STF, ministro Luiz Fux, afirmou: "Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República".
Em 29 de setembro do mesmo ano, o então chefe do Executivo atacou mais uma vez o Judiciário durante uma transmissão ao vivo em suas redes sociais, feita nas dependências do Palácio do Planalto. "A live serviu para que o denunciado falasse, sem apresentar elementos concretos, de falta de segurança das urnas eletrônicas e de lapso na transparência na contagem de votos", ressalta a denúncia.
Poucos dias após a transmissão, Bolsonaro voltou a atacar o sistema eleitoral, dando sequência ao "plano da organização criminosa". Em 3 de agosto de 2021, durante uma entrevista, ele insinuou a possibilidade de medidas de força contra o Judiciário, especialmente contra os tribunais superiores. Na ocasião, declarou que estava dando "um último recado para que eles entendam o que está acontecendo".
No entanto, a denúncia revela que a rivalidade não se limitou a declarações, mas se traduziu em ações. O chamado "Planejamento Punhal Verde e Amarelo", encontrado em um dispositivo eletrônico vinculado a Mário Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, continha um plano que atentava contra a liberdade e a vida do ministro do STF Alexandre de Moraes e dos candidatos eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin.
O plano detalha medidas de reconhecimento operacional, incluindo o monitoramento dos "locais de frequência e estadia" do ministro Alexandre de Moraes. Para isso, previa a observação de sua residência, local de trabalho e espaço onde praticava esportes. Além disso, estipulava o acompanhamento de seus itinerários, horários, agenda oficial e pessoal, bem como a identificação dos agentes de segurança que o acompanhavam e dos veículos utilizados em seus deslocamentos. As ações de vigilância estavam planejadas para ocorrer no Distrito Federal e em São Paulo.
Segundo a denúncia, a análise do arquivo revelou que algumas dessas medidas já estavam em andamento quando o plano foi formalizado por escrito, em 9 de novembro de 2022. Isso fica evidente na anotação contida no documento, que registra: "Os rec já estão em curso, com dificuldades relativas, principalmente, ao comboio de segurança do alvo e aos protocolos de segurança que ele já vem adotando há algum tempo".
Diante dos desafios impostos pela estrutura de segurança do ministro Alexandre de Moraes, os envolvidos chegaram a cogitar o uso de armamento, artefatos explosivos ou, até mesmo, envenenamento durante um evento oficial público.
Essa intenção se confirmou em uma reunião realizada em 12 de novembro de 2022, na residência funcional do general Walter Souza Braga Netto. Estavam presentes Rafael Martins de Oliveira, Hélio Ferreira Lima e Mauro César Barbosa Cid. Durante o encontro, o grupo conhecido como "kids pretos" discutiu ações clandestinas reunidas sob o codinome "Copa 2022", cujo objetivo era neutralizar o ministro Alexandre de Moraes, seguindo os moldes estabelecidos pelo plano "Punhal Verde e Amarelo".
O documento também revelou que Rafael Martins de Oliveira e Hélio Ferreira Lima, militares das Forças Especiais, "kids pretos", deram início ao monitoramento do ministro Alexandre de Moraes. Registros da Estação Rádio Base (ERB) indicaram que os celulares de ambos se conectaram a antenas de locais frequentados pelo ministro em momentos estratégicos, ocorrendo essa conexão em mais de uma ocasião.
Em 22 de novembro de 2022, a atividade da conta Google associada ao e-mail gioerafa@gmail.com, vinculado a Rafael Martins de Oliveira, mostrou que ele pesquisou direções para locais próximos à residência de Alexandre de Moraes e explorou mapas das regiões por onde o ministro costumava transitar.
De acordo com o documento, os denunciados elegeram Alexandre de Moraes como "centro de gravidade", termo militar que representa a fonte de força e coesão do adversário. Essa escolha reforça a percepção de que estavam em um contexto de "guerra", justificando o uso da força. A indicação do ministro como alvo evidencia a previsão de violência nas ações de "neutralização". Segundo a delação premiada de Mauro Cid, Jair Bolsonaro conhecia a trama para abater Alexandre de Moraes e consentiu.