Visão do Direito

O preço da negligência no vazamento de dados em seguros de vida

"O vazamento de dados pessoais no setor de seguros pode ter consequências irreparáveis para os segurados, desde a discriminação na renovação de apólices até a utilização indevida de informações médicas para segmentação de mercado e marketing direcionado"

 Renata Lelis, advogada, mestre em direito e proteção de dados, especialista em direito empresarial e contratos e sócia do escritório Carvalho Dantas, Lelis & Palhares Advogados -  (crédito:  Raul Spinasse)
Renata Lelis, advogada, mestre em direito e proteção de dados, especialista em direito empresarial e contratos e sócia do escritório Carvalho Dantas, Lelis & Palhares Advogados - (crédito: Raul Spinasse)

Por Renata Lelis* — Uma recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o vazamento de dados sensíveis de segurados em contratos de seguro de vida gera dano moral presumido e configura a responsabilização objetiva das empresas seguradoras, representando um marco importante na consolidação da proteção de dados pessoais no Brasil. O julgamento evidencia a necessidade do cumprimento estrito da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e alerta o mercado para a importância da governança e segurança na gestão de informações sensíveis.

A LGPD, inspirada no modelo europeu de proteção de dados (GDPR), foi implementada com o objetivo de garantir a privacidade, a proteção dos dados pessoais e a segurança das informações dos cidadãos brasileiros. No setor de seguros, que lida diretamente com dados sensíveis como os referentes à saúde, renda, histórico médico e outras informações altamente confidenciais, a necessidade de conformidade com a legislação é ainda mais crítica.

A pesquisa que desenvolvi a partir de estudo de caso sobre as práticas de coleta e uso de dados pessoais em redes de farmácias no Brasil revela um cenário preocupante, que também se aplica às seguradoras: a coleta indiscriminada de informações sensíveis sem consentimento explícito, a falta de transparência sobre o uso desses dados e sua utilização para fins alheios ao propósito inicial. Em muitos casos, os dados são compartilhados com terceiros sem que o titular tenha consciência ou controle sobre isso, comprometendo a confiabilidade do sistema.

O vazamento de dados pessoais no setor de seguros pode ter consequências irreparáveis para os segurados, desde a discriminação na renovação de apólices até a utilização indevida de informações médicas para segmentação de mercado e marketing direcionado. A LGPD estabelece princípios claros de finalidade, necessidade e transparência, além de prever penalidades para o descumprimento de suas diretrizes. A decisão do STJ é uma resposta importante a essas práticas abusivas e fortalece a exigência de que as empresas adotem medidas eficazes para evitar tais ocorrências.

O entendimento do STJ também traz para a discussão a responsabilidade objetiva das seguradoras, ou seja, não é necessário que o consumidor prove a culpa da empresa para obter reparação pelo dano sofrido. Basta que o vazamento ocorra para que a responsabilidade da empresa seja configurada. Esse aspecto é fundamental para garantir a efetividade da proteção de dados e desestimular a negligência por parte das companhias.

Além disso, é necessário reforçar a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para que a LGPD seja devidamente aplicada no setor de seguros. A ANPD deve intensificar a fiscalização e exigir que as seguradoras adotem práticas de governança e segurança da informação que garantam a integridade dos dados pessoais. A aplicação de sanções rigorosas e a promoção de iniciativas educativas para as empresas e consumidores são medidas essenciais para fortalecer a cultura de proteção de dados no Brasil.

Outro ponto relevante é a necessidade de conscientização dos consumidores sobre seus direitos e responsabilidades em relação à proteção de seus dados pessoais. Muitas vezes, os segurados não estão cientes de que podem exigir maior transparência e segurança das seguradoras, o que reforça a importância de campanhas informativas e de canais acessíveis para denúncias e esclarecimentos sobre o uso de informações sensíveis.

Ao julgar o REsp 2.121.904, a 3ª Turma do STJ deu um passo significativo para a consolidação de uma cultura de proteção de dados no Brasil. A Corte entendeu que, em contratos de seguro de vida, o vazamento de dados sensíveis do segurado gera dano moral presumido, configurando a responsabilização objetiva da empresa seguradora. O mercado de seguros, ao lidar com informações altamente sensíveis, deve assumir a responsabilidade de garantir que os direitos dos consumidores sejam respeitados, implementando práticas que assegurem a segurança e a privacidade de seus dados. Com a LGPD e o respaldo do Judiciário, o Brasil avança na construção de um ambiente mais transparente, ético e seguro para os titulares de dados pessoais.

*Advogada, mestre em direito e proteção de dados, especialista em direito empresarial e contratos e sócia do escritório Carvalho Dantas, Lelis & Palhares Advogados

 


Opinião
postado em 06/03/2025 04:00
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