Entrevista

Respeito aos precedentes e conciliação são caminhos para a Justiça mais ágil, diz ministro

Presidente do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, posta que a estabilidade e a coerência são a saída para reduzir o número de recursos que chegam ao Tribunal

 Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do TST -  (crédito:  Fellipe Sampaio/TST)
Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do TST - (crédito: Fellipe Sampaio/TST)

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Aloysio Corrêa da Veiga, elegeu o sucesso da jurisdição como principal foco de sua atuação até outubro, quando vai se aposentar compulsoriamente, ao completar 75 anos. Com esse propósito, o magistrado tem trabalho com afinco na cultura dos precedentes, como forma de desatolar a Justiça e promover um atendimento mais célere a quem procura uma solução para seus conflitos trabalhistas. O ministro aposta que a estabilidade e a coerência são a saída para reduzir o número de recursos que chegam ao TST, hoje na casa dos 400 mil por ano. "Havendo isso desestimula a própria litigiosidade. Se eu sei como o tribunal julga, vou entrar com uma ação para ter uma decisão que já conheço?", questiona.

Outro caminho apontado pelo presidente do TST é a conciliação, que encerra sem longas discussões judiciais os conflitos. Mas o magistrado ressalta que o mundo moderno traz muitos novos embates e defende a necessidade de uma regulamentação específica para novos empregos, em que o patrão é um algoritmo, como os vinculados a plataformas digitais.

Seu mandato é de um ano porque o senhor se aposenta em outubro. Qual é a sua prioridade?

Jurisdição. O Poder Judiciário tem uma atividade, que é uma atividade-fim, de ajudar em solucionar os conflitos. E há uma crítica muito grande pela demora na solução dos conflitos. Desde tempos imemoriais, desde a antiguidade, quando o Judiciário era chamado a intervir, sempre se questionou sobre a atualidade da prestação judicial e sobre a resposta em um tempo real. Tanto é que há uma célebre frase do Rui Barbosa que muito se repete, de que a justiça tardia é uma injustiça manifesta. 

Frase bem atual...

Na Europa, na Holanda, por exemplo, há para cada juiz da Suprema Corte 250 processos por ano. Em Portugal, nós temos uma atividade judicial muito menor do que a atividade judicial aqui na capital brasileira. Só que em Portugal a população é de 11 milhões. A nossa população são 207 milhões. E a desigualdade social brasileira é muito intensa, de modo que os conflitos sociais surgem em todos os sentidos, em que os conflitos das relações de trabalho, estão cada vez mais se tornam presentes. E vão surgindo novos.

Essa crítica foi ampliada na medida em que o Judiciário virou vitrine?

Com certeza. O Judiciário precisa dar a resposta. Que resposta ele tem que dar? Naturalmente, administrando e gerindo o acervo que ele possui e que ele recebe e promovendo a solução dos conflitos. E promover a solução do conflito não é só a sentença. A sentença é um ato em que o juiz põe fim ao processo. Não é mesmo? Agora, pôr fim ao processo não é o bastante. Ele tem que pôr fim ao processo e pacificar a questão social. Então, a maior forma de solucionar o conflito com maior eficiência chama-se conciliação. Nós demonstramos, na Justiça do Trabalho, que tem um DNA da conciliação desde a década de 40 do século passado, que a conciliação era um meio eficaz de solucionar conflitos. Nos afastamos uma determinada época, retornamos e hoje demonstramos que a conciliação é o primeiro caminho da solução do processo. Frustrada, aí sim que haverá a necessidade do juiz sentenciar, com os recursos que é cabível no sistema processual brasileiro.

A solução para tornar a justiça mais célere passa pelo respeito aos precedentes?

Nós temos do Oiapoque ao Chuí. Em cada região, um regionalismo bem acentuado. São questões muito pontuais e as interpretações são diversas. Para que tenha estabilidade, coerência e previsibilidade é necessário que haja um pensamento coerente. Isso dá para a sociedade a noção de como deve agir. Aí começa o desenvolvimento da cultura de precedentes. O que são os precedentes? São, naturalmente, as manifestações que se consolidaram ao longo do tempo. O nosso sistema, o romano-germânico, é aquele descrito nas leis. A lei que diz tudo e eu interpreto a lei. Agora, se cada intérprete puder interpretar livremente, bastando só fundamentar, nós teremos várias soluções para as mesmas questões, muitas vezes conflituadas.

O senhor criou a Secretaria de Precedentes. Como funciona?

A Secretaria de Precedentes é, certamente, para nós podermos estabelecer um banco de dados do que acontece no Brasil. Quais são os temas que são repetitivos, como os tribunais têm se manifestado, e como nós devemos nos manifestar com um incidente de resolução de recurso repetitivo, para que tenhamos um aprofundamento no exame da questão e uma solução que crie a tese jurídica que terá efeito obrigatório em todo o Judiciário Trabalhista.

Essa secretaria também pode barrar processos que chegam?

Sim, claro. Do momento em que nós estabelecemos as teses obrigatórias, não haverá mais o recurso para o Tribunal Superior de Trabalho das decisões em consonância com as teses fixadas. Porque aí já é a uniformização da jurisprudência e já é, acima de tudo, o entendimento pacificado do Tribunal.

O Tribunal tem decidido e feito várias decisões de novas jurisprudências? Qual a que o senhor considera mais importante?

Sim, sim. Só numa sessão foram aprovadas 26. Com mais umas cinco ou seis antes. Temos umas 30 e pouco já prontas. A que definiu que a Reforma Trabalhista vale para todos os contratos de trabalho.

E como fazer para as instâncias inferiores seguirem mesmo, seguirem esses precedentes? É difícil?

Eles terão que seguir porque há efeito vinculante obrigatório. Então, esse efeito qualificado faz com que o juiz tenha que decidir sobre o pena de desafiar reclamação. Assim como tem para suprir a reclamação constitucional, tem para nós a reclamação. E a reclamação é para garantir a autoridade das decisões do Tribunal Superior do Trabalho. 

Acredita que há necessidade de aumentar o número de ministros?

Não. Nós precisamos é de coerência e estabilidade. Havendo isso desestimula a própria litigiosidade. Se eu sei como o tribunal julga, vou entrar com uma ação para ter uma decisão que já conheço? 

Qual é o grande desafio da justiça do trabalho hoje?

O mundo do trabalho mudou. Nós evoluímos, mudamos o paradigma do trabalho, como concebido historicamente até os dias de hoje. Hoje nós temos a inteligência artificial atuando para melhorar as condições de vida do homem. Nós temos o trabalho por plataformetização, esse neologismo, que naturalmente é uma relação entre alguém e um algoritmo. O comando se dá por algoritmo. Eu não conheço o patrão, eu não sei quem é. Eu sei que existe um Uber na minha vida, um 99, um iFood, mas eu não conheço o patrão. Eu me vinculo por plataforma, eu me vinculo por algoritmo. E aí eu vou desenvolver um trabalho. É claro que esse trabalho é um trabalho diferente e precisa ter uma regulamentação. Enquanto não houver regulamentação, na lacuna da lei, e havendo conflito, temos que julgar. O Judiciário tem que julgar. A quem compete julgar? É claro que é a Justiça do Trabalho. A Emenda Constitucional 45, em 2004, ampliou a competência do Justiça do Trabalho para que ele julgue as ações decorrentes de relação de trabalho. Relação de trabalho não é só relação de emprego. Relação de emprego é um tipo de relação de trabalho.

Ana Maria Campos
postado em 13/03/2025 05:00 / atualizado em 13/03/2025 00:00
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