
Por Bruno Azevedo Machado* — A essência do contrato reside na manifestação livre e consciente da vontade das partes envolvidas, garantindo que todas tenham pleno conhecimento das obrigações assumidas. Contudo, até que ponto essa manifestação pode ser considerada válida quando ocorre em um contexto informal ou descontraído? O recente episódio envolvendo o jovem tenista João Fonseca traz à tona reflexões importantes sobre a validade contratual e os limites da boa-fé.
Durante uma entrevista, Fonseca foi convidado a assinar um autógrafo sem perceber que, no verso do papel, havia um compromisso de participação anual no Argentina Open. Ainda que o episódio tenha sido uma brincadeira, ele nos permite uma análise jurídica relevante: a assinatura de um contrato, quando realizada sob erro substancial ou dolo, pode ser anulada?
O Código Civil brasileiro dispõe sobre a anulabilidade de negócios jurídicos em razão de erro substancial ou dolo. De acordo com o artigo 138, são anuláveis os negócios jurídicos quando a declaração de vontade decorrer de erro substancial, isto é, quando o signatário se equivoca sobre um elemento essencial do contrato. O artigo 145, por sua vez, define o dolo como a indução ao erro por parte de terceiros com o objetivo de obter vantagem indevida.
No caso do tenista, há um claro erro substancial: Fonseca acreditava estar assinando um autógrafo, e não um compromisso contratual. Sua declaração de vontade, portanto, não reflete sua intenção real. Se a situação fosse levada a sério e houvesse a tentativa de exigir o cumprimento do suposto contrato, haveria argumentos jurídicos sólidos para sua anulação.
Além do erro substancial, o caso poderia ser interpretado sob a ótica do dolo. Se a assinatura tivesse sido obtida com o objetivo de vincular Fonseca ao compromisso sem seu conhecimento, estaríamos diante de uma manobra dolosa, em que uma parte induz a outra ao erro para obter vantagem.
O direito brasileiro prioriza a intenção manifestada na declaração de vontade, conforme disposto no artigo 112 do Código Civil: "Nas declarações de vontade, atender-se-á mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem". Esse princípio reforça que um contrato não pode ser interpretado de forma puramente formalista, ignorando o contexto e a real intenção do signatário.
Entretanto, a prevalência da vontade não é absoluta. A boa-fé objetiva, a ausência de erro ou coação e a proteção a interesses sociais também são fatores determinantes na validade dos negócios jurídicos. Em um cenário hipotético em que um tribunal analisasse um caso semelhante, certamente, levaria em consideração o contexto da assinatura e a ausência de intenção efetiva de celebrar o contrato.
O episódio envolvendo João Fonseca evidencia um fenômeno comum: a assinatura de documentos sem a devida leitura. No dia a dia, muitas pessoas firmam contratos sem se atentar aos detalhes, confiando na boa-fé da outra parte. O caso do tenista ilustra de maneira leve, mas didática, a importância de se compreender plenamente os compromissos assumidos.
No ambiente jurídico, a situação reforça a necessidade de critérios claros para a interpretação da manifestação da vontade. Em um mundo onde interações rápidas e digitalizadas são cada vez mais frequentes, a proteção contra erros e abusos contratuais se torna essencial. Assim, a principal lição que fica é simples, mas crucial: antes de assinar qualquer documento, mesmo em um contexto informal, é fundamental ler e entender exatamente o que está sendo acordado. Afinal, como demonstra o caso de João Fonseca, nem todo papel assinado é apenas um autógrafo.
Sócio do Azevedo Machado Advocacia, graduado pelo Uniceub e pós-graduado pela FGV. Especilista em direito civil e das sucessões*