
Villis Marra Gomes* — As Ações Afirmativas de Gênero têm fundamento na necessidade de mudar uma realidade injusta, que relega a mulher à condição de incapaz ou parcialmente incapaz para atuar em determinadas áreas, notadamente no exercício do trabalho. Essa demanda também se estende à política, às funções e aos cargos com significativo poder de decisão.
O Brasil adota as Cotas de Gênero desde 1997, conforme previsto no art. 10, §3º, da Lei das Eleições. No entanto, não basta apenas a existência da lei; é fundamental que sua aplicação ocorra de forma efetiva. A Constituição brasileira prima pelos princípios da Igualdade, da Dignidade Humana e da Equidade de Gênero.
Após 30 anos da implementação das Cotas de Gênero, cabe indagar se elas têm cumprido seu objetivo. Infelizmente, ainda não alcançamos a almejada equidade de gênero no Brasil. Os números evidenciam uma realidade que insiste em manter o status quo.
A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, em pesquisa do Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP, 2024), revela que a cota mínima de 30% de candidaturas femininas não foi cumprida em mais de 700 municípios brasileiros. Apesar de as mulheres representarem a maioria do eleitorado (52%), a pesquisa destaca sua ínfima participação na política local. A Câmara dos Deputados conta com 513 parlamentares, dos quais apenas 17% são mulheres. Na Assembleia Legislativa de Goiás, há apenas quatro deputadas entre os 41 parlamentares. Já a Câmara Municipal de Goiânia possui 37 vereadores, sendo apenas cinco mulheres.
Em Portugal, a Lei da Paridade vem sendo aplicada com um diferencial: a exigência de paridade incide sobre as cadeiras e não apenas sobre as candidaturas. O resultado foi perceptível no último pleito eleitoral, com 39% das vagas do Legislativo ocupadas por mulheres.
Diante desse cenário, questiona-se: por que as cotas de gênero no Brasil não funcionam? O que se observa são diversas fraudes e a falta de incentivo político e financeiro dos partidos, que não investem em candidatas mulheres.
A situação é tão grave que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou a Súmula 73, em 2024, com o objetivo de coibir essas fraudes. A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE, Cármen Lúcia, em palestra, enfatizou:
"A própria candidata não vota nela, cede o nome listado por alguém ou por um partido que oferece seu nome, aparece no processo em campanha do irmão, do marido, de outros. [...] Não se constrói uma sociedade livre, justa e solidária mantendo o quadro da violência de toda natureza contra a maior parte da população, contra nós, mulheres" (2024).
Portanto, além das fraudes que enfraquecem o alcance da lei, a efetividade das cotas de gênero exige a aprovação de um modelo em que 30% das cadeiras sejam, de fato, direcionadas às mulheres. Por fim, garantir a eficácia dessa política deve ser um compromisso de toda a sociedade, especialmente dos partidos políticos e dos parlamentares.
*Procuradora de Justiça, titular da 25ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público de Goiás. Especialista em criminologia e em direito penal e processo penal
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