Visão do Direito

A efetividade das cotas de gênero

"Após 30 anos da implementação das Cotas de Gênero, cabe indagar se elas têm cumprido seu objetivo"

Villis Marra Gomes, procuradora de Justiça, titular da 25ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público de Goiás. Especialista em criminologia pela UFG — Universidade Federal de Goiás e em direito penal e processo penal pela Academia de Polícia de Goiás -  (crédito:   Divulgação)
Villis Marra Gomes, procuradora de Justiça, titular da 25ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público de Goiás. Especialista em criminologia pela UFG — Universidade Federal de Goiás e em direito penal e processo penal pela Academia de Polícia de Goiás - (crédito: Divulgação)

Villis Marra Gomes* — As Ações Afirmativas de Gênero têm fundamento na necessidade de mudar uma realidade injusta, que relega a mulher à condição de incapaz ou parcialmente incapaz para atuar em determinadas áreas, notadamente no exercício do trabalho. Essa demanda também se estende à política, às funções e aos cargos com significativo poder de decisão.

O Brasil adota as Cotas de Gênero desde 1997, conforme previsto no art. 10, §3º, da Lei das Eleições. No entanto, não basta apenas a existência da lei; é fundamental que sua aplicação ocorra de forma efetiva. A Constituição brasileira prima pelos princípios da Igualdade, da Dignidade Humana e da Equidade de Gênero.

Após 30 anos da implementação das Cotas de Gênero, cabe indagar se elas têm cumprido seu objetivo. Infelizmente, ainda não alcançamos a almejada equidade de gênero no Brasil. Os números evidenciam uma realidade que insiste em manter o status quo.

A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, em pesquisa do Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP, 2024), revela que a cota mínima de 30% de candidaturas femininas não foi cumprida em mais de 700 municípios brasileiros. Apesar de as mulheres representarem a maioria do eleitorado (52%), a pesquisa destaca sua ínfima participação na política local. A Câmara dos Deputados conta com 513 parlamentares, dos quais apenas 17% são mulheres. Na Assembleia Legislativa de Goiás, há apenas quatro deputadas entre os 41 parlamentares. Já a Câmara Municipal de Goiânia possui 37 vereadores, sendo apenas cinco mulheres.

Em Portugal, a Lei da Paridade vem sendo aplicada com um diferencial: a exigência de paridade incide sobre as cadeiras e não apenas sobre as candidaturas. O resultado foi perceptível no último pleito eleitoral, com 39% das vagas do Legislativo ocupadas por mulheres.

Diante desse cenário, questiona-se: por que as cotas de gênero no Brasil não funcionam? O que se observa são diversas fraudes e a falta de incentivo político e financeiro dos partidos, que não investem em candidatas mulheres.

A situação é tão grave que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou a Súmula 73, em 2024, com o objetivo de coibir essas fraudes. A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE, Cármen Lúcia, em palestra, enfatizou:

"A própria candidata não vota nela, cede o nome listado por alguém ou por um partido que oferece seu nome, aparece no processo em campanha do irmão, do marido, de outros. [...] Não se constrói uma sociedade livre, justa e solidária mantendo o quadro da violência de toda natureza contra a maior parte da população, contra nós, mulheres" (2024).

Portanto, além das fraudes que enfraquecem o alcance da lei, a efetividade das cotas de gênero exige a aprovação de um modelo em que 30% das cadeiras sejam, de fato, direcionadas às mulheres. Por fim, garantir a eficácia dessa política deve ser um compromisso de toda a sociedade, especialmente dos partidos políticos e dos parlamentares.

*Procuradora de Justiça, titular da 25ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público de Goiás. Especialista em criminologia e em direito penal e processo penal

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Por Opinião
postado em 10/04/2025 03:00
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