
Por Técio Lins e Silva* — Não tem outro título que me orgulhe mais do que ser advogado, ofício que exerço há 60 anos. Ingressei na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ) em 1964 e veio o golpe militar! Minha graduação foi em 1968, com o AI5, no período mais truculento da ditadura. Nem tive colação de grau, porque a polícia política fechou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e impediu a realização da solenidade, aos gritos de "circulando". Minha experiência de 20 anos advogando nas Cortes Militares na ditadura, o que se fazia comumente sem cobrar honorários, de acordo com a tradição da advocacia cívica desde o Estado Novo (1937-1945) me fez testemunha do quanto respeito nós ali conquistamos, pois fomos os poucos advogados que se atreveram a assumir a defesa dos perseguidos políticos no país.
A ditadura cometeu atos criminosos estarrecedores. As pessoas eram presas sem mandado, e muitas estão desaparecidas até hoje. A tortura era o método de investigação estabelecido pelo Estado brasileiro e praticado nos quartéis das Forças Armadas e ainda hoje tem gente que apoia.
Como era possível denunciar a violência da ditadura? Eram servidores públicos que aplicavam a tortura, mataram e prenderam muita gente. No pior tempo dos anos chamados de "chumbo", a advocacia, como a que nós praticávamos, dedicou-se a defender perseguidos políticos. Agora chamam de lawfare, mas antes não tinha esse nome americanizado. A ditadura de 1964 praticou o lawfare com a sua brutal perseguição política. Portanto, lawfare não é um fenômeno moderno, pois sua prática foi citada nas Ordenações Filipinas do Reino de Portugal em 1595. Podemos dizer que Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, foi morto, vítima do lawfare, é guerra jurídica.
Se por um lado lutamos pela democracia, fortalecemos suas instituições e condenamos a censura, por outro somos revisitados pelos fantasmas de outrora e estamos longe de nos livrar dos ranços ditatoriais. Não são raras as demonstrações de autoritarismo no Brasil, como se viu nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) foram invadidos e vandalizados por uma multidão manipulada para protestar contra os resultados das eleições de 2022. E ainda se aplica a tortura como método de "confissão" nos porões das delegacias e penitenciárias do país.
No âmbito do Poder Judiciário, são os advogados as maiores vítimas desses resquícios ditatoriais apresentados sob um falso manto democrático. Não se pode admitir que o advogado que defende um criminoso seja a ele equiparado. O advogado não defende o crime, mas o criminoso. Certa vez, ao despachar um habeas corpus com um ministro da Corte superior, ele me perguntou qual era o crime em questão. Respondi: "Estelionato", ao que ele retrucou: "Não gosto de estelionato", e eu perguntei: "E de qual crime o senhor gosta? De crime contra os costumes, estupro, contravenção? Eu também não gosto de nenhum crime". Por óbvio, não estava ali para defender o estelionato, mas o acusado de estelionato, numa perspectiva de que ele era inocente e possuía direitos que deveriam ser respeitados.
Como em qualquer profissão, também na advocacia há os que se acumpliciam com o cliente e merecem punição. Por isso, necessitamos de Tribunais de Ética e Disciplina que funcionem, condenando os que envergonham nossa classe.
Hoje somos advogados reverenciados, considerados heróis da resistência, da democracia. Mas os erros atuais são parecidos, mudam os perseguidos, mudam as perseguições, mas a mentalidade repressiva, o ódio à liberdade são os mesmos. Esse desabafo é uma homenagem à democracia, que amamos e queremos manter no Brasil, sobretudo no momento em que sofre riscos muito sérios.
Advogado criminalista, procurador-geral do município de Niterói, RJ, professor, jurista, mestre em direito penal e doutorado em direito político pela UFRJ*
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