
Por Priscila Kirchhoff* e Carlos Eduardo Morais** — O aumento de afastamentos por transtornos mentais tem se tornado uma preocupação no mercado de trabalho brasileiro. Dados do Ministério da Previdência Social revelam que, em 2024, foram registradas aproximadamente 472.328 licenças médicas relacionadas a transtornos psicológicos — um crescimento de 68% em relação ao ano anterior. O cenário evidencia a urgência de um reposicionamento das empresas, tanto na adoção de medidas preventivas quanto na reestruturação de seus modelos de gestão
A pandemia da covid-19 modificou o mercado de trabalho, popularizando o home office, ampliando jornadas e sobrepondo os limites entre vida pessoal e profissional. Em resposta, algumas empresas passaram a investir em iniciativas de saúde mental, como programas de bem-estar, psicologia organizacional e flexibilização da carga horária.
Contudo, essas práticas estão distantes de uma política sistêmica e obrigatória, demonstrando a necessidade de regulamentação mais efetiva quanto aos riscos invisíveis, especialmente os psíquicos. A dificuldade de lidar com esses riscos está na cultura de muitas empresas, que priorizam produtividade em detrimento do equilíbrio emocional.
O desafio está em integrar fatores psicossociais às rotinas de saúde e segurança no trabalho com a mesma seriedade dedicada aos riscos físicos. E, do ponto de vista jurídico, a ansiedade e a depressão podem ser reconhecidas como doenças ocupacionais quando estiverem relacionadas às condições do ambiente laboral, gerando impactos significativos para a Previdência Social — organizações com altos índices de afastamento tendem a pagar mais tributos, criando uma relação direta entre a gestão da saúde ocupacional e os custos previdenciários.
É importante destacar o papel do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nesse contexto. O MPT tem ampliado sua atuação investigativa e propositiva, instaurando procedimentos para apurar a exposição de trabalhadores a riscos psicossociais e cobrando das empresas a elaboração de planos de ação voltados à prevenção do adoecimento mental. Já o MTE tem intensificado as fiscalizações em saúde e segurança no trabalho (SST), especialmente em setores com alto índice de afastamentos por transtornos psíquicos.
Ressalta-se que a vigência da nova NR-1 foi mantida, mas as autuações relacionadas ao descumprimento das novas exigências, como a efetiva implementação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), somente terão início após um ano. A partir disso, a judicialização das doenças mentais ampliou o passivo trabalhista das empresas. Muitas ações são movidas por empregados buscando o reconhecimento da natureza ocupacional dos transtornos psíquicos e a responsabilização por omissão da empresa.
Nesse sentido, a recente reformulação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) representa um marco no tratamento dos riscos ocupacionais. Ela estabelece o PGR como instrumento obrigatório para todas as empresas, inclusive, com foco nos riscos psicossociais, e exige o mapeamento proativo dos riscos no ambiente de trabalho, com a inclusão explícita de temas relacionados à saúde mental.
Críticos apontam, no entanto, que a eficácia da norma dependerá da fiscalização pelo MTE e da maturidade das empresas na sua implementação. Muitas organizações ainda tratam a saúde mental como um benefício opcional e não como parte integrante da segurança do trabalho. Isso pode tornar o seu cumprimento meramente formal, sem efeitos reais sobre os índices de adoecimento.
Adicionalmente, a classificação das doenças mentais como ocupacionais segue sendo um desafio técnico e jurídico, dada sua natureza multifatorial, que pode envolver fatores externos ao ambiente de trabalho. Esse cenário pode gerar insegurança jurídica tanto para empregadores quanto para empregados, especialmente quando não há consenso técnico ou laudo conclusivo sobre o nexo causal.
Outra importante medida voltada à responsabilização empresarial foi o fortalecimento das ações regressivas movidas pelo INSS contra as empresas que têm sua culpa reconhecida judicialmente no evento que leva ao afastamento previdenciário de trabalhadores, ou seja, buscam o ressarcimento de valores pagos a título de benefícios quando constatada a culpa ou omissão da empresa.
No intuito de tornar mais efetiva a legislação que regulamenta o tema, a Advocacia Geral da União (AGU), a Procuradoria-Geral Federal (PGF) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho firmaram um acordo de cooperação técnica para compartilhamento de informações estratégicas sobre acidentes e doenças ocupacionais. A iniciativa busca aumentar a efetividade das ações regressivas e responsabilizar empregadores que não investem na segurança de seus trabalhadores.
O crescimento dos afastamentos por transtornos mentais exige uma mudança estrutural nas relações de trabalho no Brasil. A revisão da NR-1 traz um arcabouço normativo promissor, mas será ineficaz sem fiscalização e cultura de responsabilidade nas empresas. A prevenção deve incluir os riscos psicossociais com a mesma seriedade dos físicos, químicos e biológicos. Ignorá-los aumenta custos previdenciários, passivo trabalhista e o risco de responsabilização judicial.
A exigência de um PGR mais amplo pode aumentar o passivo trabalhista. Mas isso também se deve à maior consciência dos trabalhadores, à atuação do MPT e à nova visão da saúde mental como um direito. A integração de normas de saúde e segurança no trabalho com práticas ESG, aliada ao cumprimento das obrigações legais e ao cuidado genuíno com os trabalhadores, é hoje um diferencial competitivo e uma exigência ética. A saúde mental no trabalho não é mais uma escolha — é um dever legal e social.
Sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe*
Associado da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe**
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