Visão do Direito

Usucapião, terras devolutas e o direito à propriedade no Brasil

"Reconhecer a importância da usucapião é compreender que o direito à propriedade não pode ser visto apenas como privilégio de quem pode comprar, mas também como o resultado do esforço e permanência de quem cuida e ocupa"

Rodrigo Robert, presidente a Comissão de Direito Imobiliário da OAB Águas Claras -  (crédito:   Divulgação )
Rodrigo Robert, presidente a Comissão de Direito Imobiliário da OAB Águas Claras - (crédito: Divulgação )

Por Rodrigo Robert* — A propriedade da terra sempre ocupou papel central na formação do Brasil. Desde o período colonial, a distribuição desigual do território construiu um país marcado pela concentração fundiária e pela exclusão social. Nesse contexto, a figura das terras devolutas — áreas públicas sem destinação específica — e a possibilidade de aquisição da propriedade pela usucapião refletem os conflitos e contradições que atravessam o acesso à moradia e à terra até hoje.

A usucapião é um instrumento jurídico que permite a regularização da posse prolongada e pacífica de um imóvel, desde que preenchidos determinados requisitos legais. Seu fundamento está no reconhecimento do uso efetivo da terra como critério legítimo de propriedade, especialmente quando o verdadeiro proprietário se mostra ausente.

Mais do que uma simples regularização, a usucapião é um instrumento de justiça social. Milhares de brasileiros vivem há décadas em imóveis que não têm documentação formal — muitas vezes em áreas urbanas abandonadas pelo poder público ou em terrenos que, embora ocupados, continuam juridicamente como "de ninguém". Em muitos casos, são justamenteterras devolutas.

Ao longo da história, as terras devolutas foram apropriadas por elites econômicas sem o devido processo legal, alimentando a grilagem e perpetuando desigualdades. Em contraposição, a usucapião pode ser vista como uma forma de reconstrução do direito à cidade e à terra.

Hoje, no Brasil, a usucapião pode ser feita por vias judiciais ou extrajudiciais, o que representa um avanço importante na desburocratização do acesso à moradia formal. Ainda assim, persistem entraves, como a falta de informação jurídica, a morosidade do sistema e a ausência de políticas públicas efetivas de regularização fundiária. Em especial, nas periferias urbanas, onde o título de propriedade continua sendo um sonho distante.

Reconhecer a importância da usucapião é compreender que o direito à propriedade não pode ser visto apenas como privilégio de quem pode comprar, mas também como o resultado do esforço e permanência de quem cuida e ocupa.

Nesse mesmo espírito de enfrentamento às distorções históricas fundiárias, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 195/2023, que trata da regularização fundiária de interesse social em terras públicas.

A medida busca atacar problemas estruturais, como a grilagem de terras, a sobreposição de áreas e a fragmentação de dados entre cadastros públicos e registros de imóveis.

No mesmo sentido, a iniciativa Solo Seguro, também coordenada pelo CNJ, promove mutirões nacionais de regularização fundiária, integrando esforços de cartórios, defensorias e órgãos públicos.

Essas ações reforçam a importância da usucapião e da regularização como instrumentos concretos de democratização da terra e promoção da dignidade.

Advogado com experiência em direito imobiliário e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Águas Claras – DF*

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postado em 24/07/2025 03:00
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