Visão do Direito

Precatórios: decisão de Campbell repõe a ordem no mercado

"Muito estranha, para nós, juristas e profissionais da área, a necessidade de uma decisão ou providência do CNJ nesse sentido, pois não deveriam existir precatórios expedidos de forma irregular"

Por Mairrana Maia* — A decisão do corregedor Nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, de determinar que todos os tribunais regionais federais (TRF) façam o levantamento dos precatórios irregularmente expedidos antes do trânsito em julgado revelou um enorme esqueleto no armário que soma mais de R$ 20 bilhões em expedições irregulares.

Inicialmente, Campbell determinou a suspensão da expedição de 35 precatórios do TRF-1 (Distrito Federal) e concedeu prazo de 15 dias para que os demais tribunais identificassem precatórios possivelmente irregulares.

Constatou-se que são mais de 4 mil distribuídos nos TRFs das demais regiões (1ª a 6ª).

Muito estranha, para nós, juristas e profissionais da área, a necessidade de uma decisão ou providência do CNJ nesse sentido, pois não deveriam existir precatórios expedidos de forma irregular. E, se existem, é sinal de que os regramentos sobre o tema não estão sendo cumpridos.

Se todos os magistrados seguissem fielmente a Constituição e a Resolução 303/2019 do CNJ, que trata da gestão dos precatórios e dos procedimentos judiciais, não estaríamos diante de um cenário tão alarmante.

Isso porque, segundo a Resolução 303, em seu artigo 6º, incisos 7, 8 e 9, é obrigatória a menção, no ofício do precatório, da data do trânsito em julgado da decisão que põe fim ao litígio e define categoricamente o valor a ser pago pela administração pública ao particular. Simples assim.

Porém, na prática, isso não ocorre. Vejamos o que dizem os dispositivos da Resolução 303 do CNJ:

"Art. 6º No ofício precatório constarão os seguintes dados:

II - data do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão lavrado na fase de conhecimento;

VIII - data do trânsito em julgado dos embargos à execução ou da decisão que resolveu a impugnação ao cálculo no cumprimento de sentença, ou do decurso do prazo para sua apresentação;

IX - data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu parcela incontroversa, se for o caso."

Ou seja, é clara a exigência do trânsito em julgado não apenas do processo de conhecimento, mas também dos embargos à execução, da decisão sobre impugnação ao cumprimento de sentença e/ou da decisão que reconhece a parcela incontroversa.

Quando ainda há direito em discussão, destaca-se a parte incontroversa, mediante trânsito em julgado dessa parcela, e expede-se o precatório apenas do que é líquido e certo.

Logo, a lei e o procedimento existem — mas juízes simplesmente optaram por não cumprir o que está determinado pela Constituição e pelo CNJ. No TRF-1, começaram a expedir precatórios sem o devido trânsito em julgado do valor incontroverso. Para burlar a lei, esses precatórios passaram a ser expedidos com ordem de bloqueio até a definição dos valores ou das parcelas discutidas — agora identificadas como irregulares.

Isso é grave. Magistrados passaram a descumprir a Constituição e a normativa do CNJ. E essas irregularidades surgiram, majoritariamente, na sessão judiciária do Distrito Federal. Esses precatórios só poderiam ter sido expedidos se a parcela fosse absolutamente incontroversa e não houvesse recurso pendente, com valor claro e expresso em decisão judicial.

Mas por que foram expedidos? Muitas vezes, há interesses financeiros por trás. Alguns precatórios do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), por exemplo, tramitam na 6ª Vara Federal do DF e foram expedidos atendendo a interesses políticos, com a chamada "restrição" de bloqueio.

Esse bloqueio funciona assim: o juiz expede o precatório, mas determina que ele só pode ser pago mediante alvará. Por quê? Porque não há situação jurídica consolidada para o pagamento. O magistrado se resguarda e, se o recurso for rejeitado, o alvará serve como garantia. Mas, na verdade, o precatório nem deveria ter sido expedido.

Ao que parece, esqueceram que o ofício precatório é uma ordem de pagamento. Como ordenar pagamento de algo que sequer se sabe se é devido ou se o valor está correto?

O precatório só deve ser expedido com a regularidade formal, material e jurídica da situação consolidada. Criar um "colchão de segurança" é um absurdo jurídico, legal e constitucional — sem justificativa.

Diretora jurídica da Sociedade São Paulo de Investimentos*

 

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