
Por Guilherme Moraes e André Vasques* — A lavagem de dinheiro é uma das mais sofisticadas formas de criminalidade financeira contemporânea. Trata-se de um mecanismo utilizado para dar aparência lícita a valores, bens e direitos provenientes de infrações penais, inserindo-os de forma dissimulada no sistema econômico formal. A natureza transnacional e a sua íntima conexão com a criminalidade organizada tornam o delito de lavagem de dinheiro uma prioridade no enfrentamento penal e normativo internacional, especialmente após convenções multilaterais, como a Convenção de Viena e a Convenção de Palermo, que serviram de referência para legislações nacionais, inclusive, a brasileira.
A doutrina e a jurisprudência enfrentaram, por anos, o debate em torno da necessidade ou não da identificação, em concreto, do crime antecedente para a configuração do delito de lavagem de dinheiro. A partir de decisões paradigmáticas, o Supremo Tribunal Federal (STF) sedimentou balizas importantes.
No HC 96.007/SP, o STF fixou o entendimento de que a lavagem de dinheiro exige, necessariamente, que os bens objeto da ocultação ou dissimulação sejam provenientes de infração penal. Contudo, não é imprescindível que haja sentença penal condenatória transitada em julgado quanto ao crime antecedente, bastando a existência de elementos mínimos que demonstrem a plausibilidade de que os valores provêm de atividade ilícita.
Posteriormente, no HC 101.526/PR, a Corte reafirmou que a persecução penal pela lavagem de capitais pode ocorrer ainda que o crime antecedente não esteja descrito de maneira exaustiva ou não haja persecução paralela por ele, desde que haja evidências razoáveis de sua prática. Trata-se, portanto, de uma imputação que não exige a condenação anterior pelo delito antecedente, mas sim, a demonstração, por meio de prova indiciária robusta, de que os valores têm origem criminosa.
A legislação brasileira sobre lavagem de dinheiro, especialmente após 2012, transformou-se em um dos instrumentos mais poderosos de repressão penal, com forte impacto sobre crimes complexos e estruturados. O STF tem buscado um ponto de equilíbrio entre a eficácia da persecução penal e as garantias fundamentais, reconhecendo a necessidade de um mínimo de lastro probatório em relação ao crime antecedente, sem exigir sua condenação formal.
Contudo, para que o combate à lavagem de dinheiro seja não apenas eficiente, mas também legítimo, é necessário que se avance em uma hermenêutica penal que preserve os direitos fundamentais, evite abusos na aplicação de medidas cautelares e promova segurança jurídica, sobretudo em um sistema que já possui graves distorções em matéria de seletividade penal.
O desafio, portanto, não é apenas punir com maior eficácia, mas sim, garantir que essa punição esteja em consonância com os pilares do Estado Democrático de Direito, evitando que a exceção se torne regra sob o manto do combate à criminalidade organizada.
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Direito e Justiça
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