Entrevista

Agosto Lilás reforça importância das denúncias para escapar do ciclo de violência

Entre janeiro e junho, o Brasil registrou mais de 523 mil casos de violência doméstica, a campanha Agosto Lilás busca conscientizar vítimas a buscar ajuda por meio do 180, reforçando a importância da Lei Maria da Penha

Barbara Heliodora, advogada de família, especialista em alienação parental no Brasil. Presidente da primeira Comissão de Alienação Parental da OAB no país. Vice-Presidente da Comissão de Relações Familiares do IBDFAM/RJ. Membro associada do IBDFAM e Diretora do núcleo IBDFAM Niterói/RJ. Coautora da obra
Barbara Heliodora, advogada de família, especialista em alienação parental no Brasil. Presidente da primeira Comissão de Alienação Parental da OAB no país. Vice-Presidente da Comissão de Relações Familiares do IBDFAM/RJ. Membro associada do IBDFAM e Diretora do núcleo IBDFAM Niterói/RJ. Coautora da obra "Alienação Parental - Aspectos Multidisciplinares". Diretora jurídica da associação Henry Borel. - (crédito: Divulgação)

Entre janeiro e junho deste ano, o Brasil registrou 523.656 novos casos de violência doméstica, segundo dados do Painel Violência Contra a Mulher, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No mesmo período, foram concedidas 304.131 medidas protetivas a vítimas. Para a advogada Barbara Heliodora Peralta, vice-presidente da Comissão de Relações Familiares do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) no Rio de Janeiro, os dados são graves, mas refletem uma melhoria significativa nos mecanismos de registro com a redução da subnotificação. Com o propósito de ampliar a conscientização das vítimas sobre a necessidade de buscar ajuda enquanto é tempo, a advogada defende que a campanha Agosto Lilás representa uma estratégia importante para combate à violência doméstica. A campanha "Não deixe chegar ao fim da linha. Ligue 180", que reforça o papel da Lei Maria da Penha como instrumento de proteção e transformação de vidas, tem o apoio do Ministério das Mulheres e entidades da sociedade civil.

Quais fatores explicam o alto número de casos de violência doméstica registrados no Brasil apenas no primeiro semestre de 2025?

Os 523.656 casos registrados no primeiro semestre de 2025 refletem uma combinação de fatores que não indicam necessariamente um aumento real da violência, mas sim uma melhoria significativa nos mecanismos de registro e conscientização. O principal fator é a redução da subnotificação, resultado de décadas de trabalho educativo de organizações pelos direitos das mulheres. Houve também uma melhoria substancial no acesso à justiça. O tempo médio para análise de medidas protetivas diminuiu de 16 dias em 2020 para apenas 4-5 dias atualmente, com 91% das medidas sendo concedidas. O aprimoramento dos sistemas de registro, como o novo Painel do CNJ, e as melhorias no Ligue 180 facilitaram o acesso das vítimas. Os efeitos duradouros da pandemia, que intensificou a convivência forçada entre vítimas e agressores, também influenciam os números atuais.

De que forma a campanha Agosto Lilás contribui para o enfrentamento da violência contra a mulher?

A campanha Agosto Lilás representa uma estratégia multidimensional fundamental para o enfrentamento à violência. Instituída em referência à Lei Maria da Penha, a campanha transcende o aspecto simbólico para se tornar um instrumento concreto de transformação social. Em 2025, adotou comunicação regionalizada e mobilização digital com o mote "Não deixe chegar ao fim da linha. Ligue 180". A campanha promove conscientização sobre os diferentes tipos de violência, fortalece a rede de proteção por meio de ações como o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, e mobiliza múltiplos setores da sociedade. Contribui também para a formação de profissionais, divulgação massiva do canal 180, e combate a retrocessos legislativos. Mais que uma campanha, é um instrumento de política pública que atua tanto na proteção imediata quanto em transformações culturais de longo prazo.

Quais são os diferentes tipos de violência abordados pela campanha Agosto Lilás?

A campanha aborda os cinco tipos fundamentais da Lei Maria da Penha: violência física (agressões que ofendem a integridade corporal), psicológica (condutas que causam dano emocional e diminuição da autoestima), sexual (atos que constranjam a relação sexual não desejada), patrimonial (retenção ou destruição de bens e recursos econômicos), e moral (calúnia, difamação ou injúria). Além destes, a campanha também aborda violência política contra mulheres, violência no ambiente de trabalho, violência institucional, violência digital (incluindo revenge porn e cyberstalking), e violências específicas considerando interseccionalidades como violência racial, contra mulheres LGBTQIA e mulheres com deficiência. Esta abordagem abrangente reconhece que as agressões são multifacetadas e interconectadas, adaptando-se às realidades sociais contemporâneas.

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Como funcionam as medidas protetivas concedidas às vítimas de violência doméstica?

As medidas protetivas são instrumentos preventivos que visam interromper o ciclo de violência e garantir segurança imediata. Podem ser solicitadas pela própria vítima, Ministério Público ou autoridade policial, com prazo de 48 horas para análise judicial. Atualmente, 91% das medidas são concedidas, com tempo médio de resposta de 4-5 dias. Incluem medidas de afastamento (do lar, proibição de aproximação), proteção patrimonial (proteção de bens, alimentos provisórios), e segurança específica (apreensão de armas, monitoramento eletrônico). O descumprimento constitui crime com pena de 3 meses a 2 anos. As medidas funcionam integradas à rede de proteção, com encaminhamento para serviços especializados e acompanhamento do Ministério Público. Podem ser prorrogadas, revogadas ou modificadas conforme a evolução do caso.

Por que é importante divulgar o canal 180 e como ele pode ajudar mulheres em situação de risco?

A divulgação do canal 180 é fundamental porque muitas mulheres desconhecem seus direitos e como acessar ajuda de forma segura. O serviço é gratuito, funciona 24h com atendentes especializados, e está disponível por telefone e WhatsApp. Combate o desconhecimento, quebra o isolamento social das vítimas e reduz a subnotificação. O canal oferece orientação jurídica sobre a Lei Maria da Penha, localiza serviços especializados (mais de 2,6 mil na rede), registra e encaminha denúncias, proporciona acolhimento emocional e orienta sobre planejamento de segurança. Em 2024, realizou mais de 750 mil atendimentos, crescimento de 21,6%. O canal representa a democratização do acesso à proteção e é elemento central na prevenção do feminicídio, permitindo intervenção precoce antes que a violência escale para consequências fatais.

Qual o papel da sociedade na prevenção e combate à violência contra a mulher?

A sociedade tem responsabilidade fundamental na criação de um ambiente seguro para todas as mulheres. Deve promover educação sobre igualdade de gênero desde cedo, apoiar vítimas com empatia e solidariedade, não se omitir diante da violência presenciada, e divulgar canais de denúncia. É essencial praticar relacionamentos baseados no respeito e igualdade, combater atitudes machistas no cotidiano, e apoiar políticas públicas que promovam igualdade de gênero. Iniciativas práticas incluem redes de apoio comunitário, eventos de conscientização e parcerias com ONGs especializadas. Cada indivíduo pode contribuir para interromper ciclos de violência e fortalecer a rede de proteção.

A quem recorrer e quais são os primeiros passos que uma vítima pode tomar ao sofrer algum tipo de agressão?

Em emergência, ligue 190 (Polícia Militar), 180 (orientação 24h), ou WhatsApp (61) 9610-0180. Os primeiros passos incluem: buscar segurança imediata saindo do local de risco, registrar Boletim de Ocorrência em DEAM ou delegacia comum, solicitar medidas protetivas através da Defensoria Pública; documentar evidências (fotos, mensagens, laudos médicos) e buscar apoio especializado em Centros de Referência. A rede de atendimento inclui Casa da Mulher Brasileira, Defensoria Pública para assistência jurídica gratuita, Ministério Público para casos graves, e organizações da sociedade civil. É fundamental que as vítimas saibam que não estão sozinhas e que existem múltiplos canais de proteção e apoio disponíveis.

 


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postado em 14/08/2025 05:30
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