Visão do Direito

Arbitragem tributária e o PL 2486/2022: uma importação lusitana mal-acondicionada

"A justificativa do projeto aposta na agilidade da arbitragem, com inspiração advinda da experiência portuguesa"

Débora Vicente – presidente do CBAr e Silvia Rodrigues Pachikoski - Coordenadora da Comissão de Assuntos Legislativos do CBAr
 -  (crédito: Divulgação)
Débora Vicente – presidente do CBAr e Silvia Rodrigues Pachikoski - Coordenadora da Comissão de Assuntos Legislativos do CBAr - (crédito: Divulgação)

Por Débora Vicente, Silvia Rodrigues Pachikoski**, Daniel Tavela Luís*** e Maria Luiza Mayr Maia**** — O PL 2486/2022 propõe a introdução da arbitragem como mecanismo de resolução de conflitos tributários e aduaneiros no Brasil. Embora pretenda modernizar o contencioso fiscal, a proposta padece de vícios que comprometem sua efetividade com a realidade brasileira e podem contaminar o sistema da arbitragem comercial, consolidado por meio da Lei 9.307/1996.

A justificativa do projeto aposta na agilidade da arbitragem, com inspiração advinda da experiência portuguesa. A arbitragem tributária em Portugal opera em um sistema mais enxuto e menos fragmentado, com a administração de litígios centrada em um único órgão administrativo. Isso é possível pela dimensão territorial e populacional do país, que possui um universo contencioso de 23 mil processos, dos quais mil são resolvidos por arbitragem.

No Brasil, a complexidade normativa, a multiplicidade de tributos e a sobreposição de competências (federal, estadual e municipal) tornam a transposição do modelo lusitano uma operação frágil. Importar um instituto típico português, sem considerar as diferenças sistêmicas entre os dois países, pode ser uma simplificação arriscada, sem garantia de sucesso no Brasil, que possui 27 milhões de execuções fiscais em curso.

Além disso, a proposta não enfrenta desafios da arbitragem tributária no Brasil, como a necessidade de implementar parte dessas inovações via lei complementar, em razão das alterações no Código Tributário Nacional. Ademais, o PL delega a cada ente (União, estados, DF e municípios) a definição das hipóteses e critérios de aplicação do instituto, gerando risco de fragmentação normativa e insegurança jurídica.

O PL também sugere aplicar subsidiariamente as regras da arbitragem comercial à arbitragem tributária, que possui características próprias — como a escolha dos árbitros, a vinculação aos precedentes judiciais e a natureza pública do crédito tributário — que não se coadunam com o regime da arbitragem comercial. A criação de um subsistema autônomo, com regras específicas e desvinculado da Lei 9.307, é essencial para preservar a integridade de ambos os institutos e evitar que as inovações do PL contaminem o sistema arbitral existente.

O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) tem desempenhado papel relevante no debate legislativo, defendendo que a arbitragem tributária, se aprovada, seja estruturada como um sistema independente e funcional. A proposta do CBAr evita a contaminação da arbitragem comercial por regras inadequadas e garantir que o novo instituto seja construído com base em critérios técnicos, jurídicos e operacionais sólidos.

De fato, em vez de avançar de forma acrítica com o PL, é necessário refletir de maneira aprofundada sobre o sistema a ser adotado, de modo a assegurar sua efetividade no Brasil. Sua aprovação, nos moldes atuais, corre o risco de gerar mais insegurança do que eficiência.

Presidente do CBAr*

Coordenadora da Comissão de Assuntos Legislativos do CBAr**

Coordenador Adjunto da Comissão de Assuntos Legislativos do CBAr***

Membro da Comissão de Assuntos Legislativos do CBAr****

 

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postado em 04/09/2025 03:30
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