Visão do Direito

Reforma da renda: o que de fato muda no IRPF

"A promessa política é aliviar quem ganha menos e exigir mais de quem ganha muito, mas a execução envolve escolhas técnicas relevantes"

Por Sueny Almeida de Medeiros Advogada tributarista do escritório Veloso de Melo -  (crédito: Divulgação )
Por Sueny Almeida de Medeiros Advogada tributarista do escritório Veloso de Melo - (crédito: Divulgação )

Por Sueny Almeida* — A Reforma Tributária brasileira está avançando para além dos tributos sobre o consumo. Em 2025, o governo federal deu início reforma da renda, formalizada no Projeto de Lei 1087/2025, atualmente, apenas aguardando a sanção presidencial.

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O objetivo central é corrigir distorções históricas do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), tornando a tributação mais justa e coerente com a capacidade contributiva de cada cidadão. 

Em termos práticos, o projeto não reescreve a tabela do IRPF, mas altera o cálculo do imposto para a base e para o topo da distribuição, combinando um redutor para rendas menores com uma alíquota efetiva mínima para rendas muito elevadas. A promessa política é aliviar quem ganha menos e exigir mais de quem ganha muito, mas a execução envolve escolhas técnicas relevantes.

O desenho parte de duas frentes. A primeira é a redução do IR para quem recebe até R$ 5.000/mês, por meio de um redutor aplicado sobre o imposto devido nas bases de cálculo mensal e anual. A tabela progressiva permanece, mas o redutor zera o imposto até esse patamar e vai se esvaindo conforme a renda mensal se afasta de R$ 5.000 deixando de ter efeito prático por volta de R$ 7.350.

A segunda frente é a criação de uma tributação mínima para altas rendas de pessoas físicas. A lógica é fechar a porta para situações em que a alíquota efetiva no topo fique inferior à de faixas médias por combinação de rendas pouco ou nada tributadas. O projeto, portanto, reafirma a progressividade por duas vias: alívio na base e um piso de contribuição no topo.

O PL também incrementa o desconto simplificado na declaração de ajuste anual, o que, para perfis de declaração mais simples, tende a ampliar o efeito de alívio no fechamento do ano-calendário.

O termo "neutralidade" percorre todo o debate: se há renúncia de receita com o redutor, é preciso compensação com a tributação mínima para que as contas públicas não sofram. Aprovar somente o alívio tornaria a equação fiscal desequilibrada; aprovar o pacote como um todo é o que dá coerência à engenharia. Para empresas e contribuintes, a mensagem prática é clara: os efeitos devem ser lidos conjuntamente.

O ponto mais sensível de curto prazo está nos lucros de 2025. O projeto desenha uma regra de transição: lucros apurados em 2025 podem ter tratamento diferenciado se a distribuição for aprovada até 31/12/2025 por ato societário válido e programada para pagamento ao longo de 2026 a 2028, observadas as formalidades cabíveis.

Na prática, o contribuinte que deseja se beneficiar da transição deve documentar a decisão societária (assembleia/reunião/ata, conforme o tipo societário e o contrato/estatuto), fixar o cronograma e cumpri-lo. Para remessas ao exterior, é prudente organizar dossiê (atos, balanço, memórias de cálculo) para mitigar exigências bancárias.

A base da tributação mínima é um conjunto legalmente definido de rendimentos. Alguns itens ficam fora, por exemplo: poupança, certos títulos isentos/alíquota zero, indenizações por acidente e danos — ressalvados lucros cessantes, e há tratamento específico para os lucros de 2025 quando obedecida a transição.

Atenção às doações: a exclusão destacada pelo projeto alcança adiantamento de legítima/herança; outras modalidades tendem a integrar a base da renda mínima, exigindo cautela em planejamentos patrimoniais.

Efeitos práticos para pessoas físicas e empresas:

  • O IRRF de quem recebe até R$ 5.000 tende a ir a zero com o redutor; acima disso, o efeito decresce e desaparece próximo a R$ 7.350. Departamentos de pessoal devem parametrizar o cálculo a partir de 2026.
  • Pró-labore x dividendos: o pró-labore segue a tabela; dividendos passam a interagir com retenções, ajuste anual e renda mínima, respeitadas as regras de transição.
  • Ajuste anual: retenção não é tributação definitiva. Haverá encontro de contas na DIRPF do ano seguinte, com abatimento do que foi antecipado.

Como o PL não altera as alíquotas da tabela, o debate recai sobre o mecanismo do redutor e o piso no topo. Há quem critique "degraus" ao redor do fim do desconto; por outro lado, a tabela escalonada continua operando e o redutor é uma política de alívio com escopo definido. Em termos constitucionais, a proposta conversa com capacidade contributiva e isonomia, reforçando a progressividade efetiva ao impedir que rendas muito altas fiquem com carga inferior à de faixas médias.

Checklist imediato:

1- Mapeie rendas de 2025 (salários, pró-labore, dividendos, doações, ganhos);

2- Se houver lucros de 2025, delibere e documente a distribuição até 31/12/2025 com cronograma 2026-2028

3- Revise contratos/estatutos para identificar o órgão competente e a necessidade de registro

4- Ajuste folha para 2026 e simule o impacto no IRRF

5- Planeje a DIRPF considerando o desconto simplificado e a interação com a renda mínima e prepare dossiê para remessas ao exterior se aplicável.

Advogada especialista em Direito Tributário, escritório Veloso de Melo*

 

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Por Opinião
postado em 04/12/2025 03:00
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