
Por Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima* — Em 2025, o grande debate no direito eleitoral girou em torno do Projeto de Lei Complementar nº 112/2021, que pretende instituir um Novo Código Eleitoral e estabelecer um marco normativo unificado para o sistema eleitoral brasileiro. Hoje, convivemos com uma estrutura complexa, formada por um emaranhado de normas esparsas: o Código Eleitoral, a Lei das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos, a Lei das Inelegibilidades, além de resoluções do TSE e dispositivos constitucionais.
O PLP 112/2021 foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em agosto de 2025, com texto-base do senador Marcelo Castro e três destaques, totalizando cerca de 900 artigos. A proposição passou a tramitar em regime de urgência para o Plenário, que deverá se debruçar sobre temas sensíveis, como a redução das penas para o crime de divulgação de fatos sabidamente inverídicos, a manutenção da obrigatoriedade de 30% de candidaturas femininas, a reserva mínima de 20% das cadeiras nas casas legislativas para mulheres e alterações na Lei da Ficha Limpa.
Como o Plenário do Senado não votou o texto aprovado pela CCJ até 3 de outubro de 2025 — marco da anterioridade eleitoral — qualquer modificação já não pode mais valer para as eleições de 2026, ainda que venha a ser aprovada e sancionada. Some-se a isso o fato de que, caso o projeto seja aprovado pelo Senado, será necessário o retorno à Câmara dos Deputados para nova apreciação, o que alonga ainda mais a tramitação.
A expectativa da comunidade jurídica eleitoral era elevada. Não por acaso: o Código Eleitoral completou 60 anos em julho de 2025 e, passadas seis décadas, embora seja inegável a relevância histórica desse diploma, é evidente que o sistema eleitoral brasileiro demanda atualização para refletir os valores democráticos e os desafios atuais. Mais do que uma mera consolidação, discute-se a necessidade de um código que dialogue com temas como inclusão, transparência, tecnologia, combate à desinformação e proteção de minorias políticas.
Manter como eixo normativo um texto concebido há mais de meio século, em um país em constante transformação social, tecnológica e política, gera anacronismos, contradições e zonas de silêncio normativo. Não surpreende, portanto, que os debates em torno do PLP 112/2021 tenham mobilizado renomados eleitoralistas, organizações da sociedade civil e entidades de classe, em uma rara convergência de atenção sobre o desenho institucional da democracia brasileira.
Sob esse prisma, 2025 parecia o momento ideal para a aprovação de um novo Código Eleitoral mais coeso, moderno e democrático. O que se viu, entretanto, foi uma resistência ao enfrentamento de temas considerados sensíveis, como a ampliação da participação feminina na política, por meio da fixação de percentual mínimo de vagas efetivamente ocupadas no Legislativo, e não apenas de candidaturas, e a regulamentação mais robusta da propaganda eleitoral na internet, com resposta jurídica adequada aos abusos e à desinformação massiva. O resultado prático foi a postergação da votação para além do limite temporal que permitiria a aplicação das novas regras já em 2026.
Ao mesmo tempo, a discussão de 2025 revelou uma tensão permanente: de um lado, o receio de retrocessos em conquistas, como a Ficha Limpa e os mecanismos de controle do abuso de poder político e econômico; de outro, a urgência de atualizar conceitos, procedimentos e sanções para um ambiente digitalizado, hiperconectado e marcado pela velocidade da circulação de informações. Em outras palavras, o país debate, mas ainda não consegue responder de forma satisfatória a uma pergunta central: como equilibrar segurança jurídica, efetividade das sanções e proteção do debate público em um cenário de redes sociais, inteligência artificial e campanhas cada vez mais segmentadas?
A democracia brasileira avançou de modo significativo desde 1965, e o Código Eleitoral apesar de sua importância histórica, já não é suficiente para as exigências de um sistema inclusivo, transparente e eficiente e que reflita a realidade do país: um Brasil de maioria feminina, racialmente diverso e cada vez mais conectado, com novas formas de organização política e de comunicação com o eleitorado.
Há um legítimo receio de que, apesar das críticas pontuais ao texto aprovado na CCJ, os avanços já consolidados no debate sejam simplesmente engavetados, à espera da "janela" política de um próximo ciclo eleitoral. A postergação reiterada da votação acende o alerta: reformas eleitorais não podem ser tratadas apenas como moeda de troca conjuntural, acionada às vésperas das eleições. É urgente que as alterações discutidas sejam enfrentadas com responsabilidade e transparência.
Se 2025 ficará registrado como o ano em que o Novo Código Eleitoral não saiu do papel, é desejável que também seja lembrado como o ano em que a sociedade civil, a academia e os operadores do direito eleitoral reafirmaram que a democracia não se sustenta sem regras claras, estáveis e sintonizadas com o tempo presente.
Advogada especialista em direito administrativo e eleitoral, membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB/SP e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP*
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