Por Nathalia Alice Milagres de Menezes Ferreira* e João Paulo Santos Schoucair** — O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou por unanimidade, em 9 de dezembro de 2025, uma resolução que representa uma reforma estrutural no sistema de antecedentes criminais brasileiro. A nova norma institui a Certidão Nacional Criminal (CNC) e reorganiza a Folha de Antecedentes Criminais (FAC), estabelecendo padronização nacional para a emissão desses documentos por meio do Sistema Nacional de Informações Criminais (SINIC), gerido pela Polícia Federal.
A decisão põe fim a um cenário de fragmentação que comprometia a uniformidade do serviço prestado aos cidadãos. Atualmente, cada tribunal desenvolve sistemas e metodologias próprias, resultando em disparidades significativas quanto à nomenclatura utilizada, prazos de emissão e conteúdo das certidões. Essa heterogeneidade gera insegurança jurídica, dificulta a interoperabilidade entre órgãos do sistema de justiça e pode resultar em tratamento desigual aos cidadãos, a depender do órgão emissor.
A grande inovação trazida pela resolução é o caráter híbrido da CNC. Além de atestar a existência ou inexistência de condenações criminais com trânsito em julgado, o documento funcionará simultaneamente como certidão de distribuição processual criminal em âmbito nacional. Isso significa que a certidão informará não apenas as condenações definitivas, mas também listará procedimentos criminais em tramitação quando houver ocorrido ato formal motivado de valoração estatal sobre a conduta do indivíduo.
Estarão nesta lista: indiciamento em inquérito policial, oferecimento de denúncia, recebimento de denúncia ou queixa pelo Poder Judiciário, e deferimento de expedição de mandado de prisão não sigiloso. Importante ressaltar que a certidão não exporá o teor fático ou a atribuição de tipo penal desses procedimentos, restringindo-se a informar apenas o número do processo, o órgão e a unidade federativa correspondente.
A emissão da CNC será gratuita, garantindo acesso universal à informação. O documento terá validade de 30 dias e será emitido preferencialmente de forma eletrônica e automática pelo portal GOV.BR, dispensando autenticação do requerente. Em caso de indisponibilidade do sistema eletrônico, a certidão poderá ser solicitada presencialmente em unidades da Polícia Federal ou por balcão virtual, com prazo de emissão de 15 dias.
A CNC será considerada "negativa" quando não constar registro de condenação criminal com trânsito em julgado. Para esse efeito, condenações cuja pena já foi cumprida, extinta ou objeto de reabilitação criminal equivalem à ausência de registro. Assim, processos em andamento, recursos pendentes ou condenações já cumpridas não tornam a certidão "positiva".
A CNC será "positiva" apenas quando constar registro de condenação criminal transitada em julgado cuja pena não tenha sido cumprida, extinta ou objeto de reabilitação. Esse critério objetivo preserva a presunção de inocência ao evitar que procedimentos preliminares ou processos sem condenação definitiva sejam tratados como antecedentes criminais.
Convém sublinhar que não constarão da CNC: inquéritos policiais sem ato formal de indiciamento ou denúncia, processos judiciais com sentença absolutória transitada em julgado, termos circunstanciados de ocorrência, procedimentos de apuração de ato infracional e aplicação de medida socioeducativa, processos com homologação de transação penal, acordo de não persecução penal ou suspensão condicional do processo, procedimentos com decisão de reabilitação, procedimentos criminais instaurados no exterior, e medidas cautelares investigatórias sigilosas.
Por sua vez, a Folha de Antecedentes Criminais (FAC) terá acesso restrito aos órgãos de persecução penal: Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Civil, Institutos Estaduais de Identificação e Polícia Penal.
A FAC apresentará o histórico completo de registros criminais de um indivíduo, consolidando todos os Boletins Individuais Criminais (BIC) vinculados ao seu Registro Federal (RF). Além das informações constantes na CNC, a FAC conterá dados sigilosos essenciais para a atividade estatal, como acordos de não persecução penal, transações penais e suspensões condicionais do processo (necessários para verificar requisitos em futuras proposições), anotação sobre reabilitação criminal (para controle de eventual revogação), e atos infracionais praticados na adolescência (para análise de personalidade e risco).
Em suma, esta distinção estabelece um modelo de publicidade dual e equilibrado: a CNC opera como instrumento de cidadania, enquanto a FAC atua como instrumento de Estado, garantindo que a presunção de inocência não se converta em impedimento à correta aplicação da lei penal.
Sob o aspecto prático, o CNJ e a Polícia Federal terão 180 dias para consolidar e migrar dados de sistemas estaduais para o SINIC, descontinuando as soluções de consulta e emissão de certidões em esfera estadual. Durante esse período de transição, os tribunais deverão manter em seus sites o acesso aos sistemas estaduais para garantir continuidade do serviço.
Enfim, a decisão do CNJ representa avanço significativo na modernização da Justiça brasileira, conciliando transparência, eficiência administrativa e proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos.
Assessora do Conselho Nacional de Justiça e analista judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais*
Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia**
Saiba Mais
