
Por Valéria Gomes* - A proposta de reforma administrativa surge com um objetivo legítimo: modernizar a máquina pública, reduzir custos e tornar o Estado mais eficiente. Essa é uma pauta necessária e urgente, especialmente diante da demanda crescente por serviços de qualidade e da limitação orçamentária. No entanto, para que a reforma cumpra seu papel histórico, é fundamental que esse esforço de otimização não tenha o efeito oposto e promova punição a quem já entrega resultados extraordinários. É nesse ponto que a experiência da Advocacia Pública Federal, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela Advocacia-Geral da União (AGU), precisa ser destacada. Trata-se de um modelo de gestão pública que tem produzido benefícios concretos, mensuráveis e com forte impacto social.
Os números revelam uma história que não pode ser ignorada: são R$ 114 retornados para cada R$ 1 investido na PGFN em 2024; R$ 61,3 bilhões recuperados aos cofres públicos apenas no último ano; perdas evitadas superiores a R$ 727 bilhões no mesmo período; e uma atuação da AGU que, nos últimos cinco anos, garantiu R$ 244,2 bilhões recuperados e uma taxa de êxito judicial de quase 70%. Esses resultados não são fruto do acaso, mas de uma política de Estado que combina remuneração compatível, métodos modernos de gestão e investimentos pesados em tecnologia e capacitação.
A reforma administrativa precisa diferenciar áreas que necessitam de ajustes estruturais daquelas que já operam em altíssimo nível de eficiência. O caso da PGFN e da AGU deve ser visto como um laboratório de boas práticas e não como alvo de medidas que possam desorganizar um modelo vencedor.
A tentativa de enfraquecer o sistema de honorários advocatícios, por exemplo, ignora não apenas sua legalidade, reconhecida pelo Congresso e pelo STF, mas também seu papel estratégico de autofinanciamento da modernização institucional. Esses recursos não geram ônus ao contribuinte, uma vez que são pagos pelas partes adversas em processos contra o Estado, e retornam em forma de sistemas inteligentes, servidores mais qualificados e maior proteção ao patrimônio público.
Ao contrário da ideia de "privilégio", a realidade mostra que a Advocacia Pública Federal é um exemplo de inteligência na gestão de recursos públicos. Os honorários não são apenas remuneração: são combustível para um ciclo virtuoso que multiplica a eficiência estatal. Portanto, se a reforma administrativa pretende de fato transformar o Estado brasileiro, precisa ser capaz de identificar, preservar e replicar experiências de sucesso como a da PGFN e da AGU. O desafio é modernizar o que está ultrapassado, sem desmontar o que já funciona.
O Brasil precisa de uma reforma administrativa que seja ao mesmo tempo corajosa e sensata. Corajosa para enfrentar privilégios e ineficiências históricas. Sensata para valorizar e expandir modelos comprovadamente eficazes. No caso da Advocacia Pública Federal, a escolha é clara: não se deve punir a eficiência, mas sim reconhecer que quando o Estado investe com inteligência, toda a sociedade colhe os frutos.
*Presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional e procuradora da Fazenda Nacional
Condenação da parte em litigância de má-fé por conduta atribuível ao advogado
Por Luís Eduardo R. Moraes Oliveira* - Pela vivência na advocacia e em razão do acontecimento de alguns casos recentes, questão importante surge para debate entre todos aqueles que trabalham com o direito.
A conduta do advogado no trato processual e até mesmo pré-processual deve estar lastreada na cristalina avaliação do sucesso ou insucesso de determinada demanda.
Imaginemos uma situação na qual o direito do autor não é transparente, as provas não corroboram frontalmente os fatos, mas mesmo assim o advogado em conversa com o cliente, que não domina a técnica jurídica, afirma boas chances de vencer o processo.
A causa tramita e o réu, ao final, em razão da completa impossibilidade de êxito por parte do autor e pelas condutas correlatas, requer a sua condenação em litigância de má-fé. De que modo deve o julgador lidar com essa questão? O autor não é dotado de conhecimentos jurídicos e confiou em seu advogado que afirmou ser plausível a demanda.
Igualmente, caso a parte incorra em qualquer das condutas tipificadas como litigância de má-fé, há processos em que sequer há ciência do que o advogado esteja fazendo tecnicamente no processo, em razão da confiança no profissional.
O CPC (1) afirma que responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente. Não há aí a figura do advogado. Porém, atesta (2) que além de outros previstos, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: expor os fatos em juízo conforme a verdade; não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito, dentre outras condutas elencadas.
Portanto, os advogados estão inseridos na parte concernente aos deveres processuais, não escapando a sua atuação da boa-fé e do agir leal para com todos participantes do processo, principalmente seu cliente. Em que pese não haver previsão de multa para os advogados privados, há expressa menção de responsabilização perante o competente órgão de classe, ao qual o juiz oficiará(3).
Analisando o Estatuto da Advocacia, o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa e em caso de lide temerária (4), além do que será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
O próprio Estatuto não é claro acerca da aplicação de multa ao advogado no exercício de suas funções, porém dispõe que a penalidade poderá ser aplicada cumulativamente juntos aos outros tipos de sanções legalmente previstas.
Assim, é possível chegar-se a conclusão de que em que pese a necessidade de uma série de interpretações (subjetivismo) para a determinação de responsabilidade ou não do advogado ao patrocinar uma lide "carente de fundamentação e acervo probatório", esse não se encontra imune a punições.
Em recentes conversas, foi possível extrair a intenção da magistratura em construir um raciocínio para coibir e punir esse tipo de prática, de modo que são demandas dessa natureza que contribuem para a superlotação do Poder Judiciário.
De fato, apesar do mandato conferido, multar a parte por conduta técnica atribuível ao advogado por conduzir a demanda de forma inadequada, incidindo na tipificação legal, é algo desaconselhável, ao passo que atitudes processuais técnicas, em grande porção, são atribuíveis somente ao patrono.
Seria adequada a punição da parte pela forma como o advogado expõe os fatos em juízo, se provoca incidente manifestamente infundado (afirmando ser fundado), dentre outras condutas?
A existência de plena confiança no patrono retira dela o papel de fiscalizar toda e qualquer manifestação técnica, sendo desprovida até mesmo de conhecimentos para esse mister, ao tempo que entrega o seu direito ao profissional.
Como advogado, observo que não deve haver punição por acreditar em uma demanda posteriormente reputada temerária. Porém, é preciso atenção e sinceridade com o cliente para que sejam evitadas situações de tal jaez.
Há aí o desafio de estabelecer o equilíbrio entre a atuação do patrono dentro dos limites legais e a sua punição por patrocinar demanda temerária ou que atente contra a boa-fé em caso de ingresso no mundo jurídico, somado à percepção de que, via de regra, a parte encontra-se tecnicamente alheia aos atos processuais, repito, apesar do mandato.
Não se mostra correto punir a parte por uma conduta do advogado, devendo esse, munido dos conhecimentos de direito material e processual, distinguir uma demanda difícil de uma aventura jurídica. O tema merece reflexão!
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*Advogado e autor de livros e artigos jurídicos

Direito e Justiça
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