Visão do Direito

Quando eficiência é punida: o paradoxo da Reforma Administrativa para a advocacia pública

Para que a reforma cumpra seu papel histórico, é fundamental que esse esforço de otimização não tenha o efeito oposto e promova punição

 Eixo Capital. Valéria Gomes, presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). Graduada pela UFG, pós em empresarial pela FGV, atuou na Divisão de Acompanhamento Especial da PRFN 3ª Região desde 2017, procuradora da Fazenda Nacional desde 2007 -  (crédito:  Divulgação)
Eixo Capital. Valéria Gomes, presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). Graduada pela UFG, pós em empresarial pela FGV, atuou na Divisão de Acompanhamento Especial da PRFN 3ª Região desde 2017, procuradora da Fazenda Nacional desde 2007 - (crédito: Divulgação)

Por Valéria Gomes* - A proposta de reforma administrativa surge com um objetivo legítimo: modernizar a máquina pública, reduzir custos e tornar o Estado mais eficiente. Essa é uma pauta necessária e urgente, especialmente diante da demanda crescente por serviços de qualidade e da limitação orçamentária. No entanto, para que a reforma cumpra seu papel histórico, é fundamental que esse esforço de otimização não tenha o efeito oposto e promova punição a quem já entrega resultados extraordinários. É nesse ponto que a experiência da Advocacia Pública Federal, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela Advocacia-Geral da União (AGU), precisa ser destacada. Trata-se de um modelo de gestão pública que tem produzido benefícios concretos, mensuráveis e com forte impacto social.

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O CORREIO BRAZILIENSE NOGoogle Discover IconGoogle Discover SIGA O CB NOGoogle Discover IconGoogle Discover

Os números revelam uma história que não pode ser ignorada: são R$ 114 retornados para cada R$ 1 investido na PGFN em 2024; R$ 61,3 bilhões recuperados aos cofres públicos apenas no último ano; perdas evitadas superiores a R$ 727 bilhões no mesmo período; e uma atuação da AGU que, nos últimos cinco anos, garantiu R$ 244,2 bilhões recuperados e uma taxa de êxito judicial de quase 70%. Esses resultados não são fruto do acaso, mas de uma política de Estado que combina remuneração compatível, métodos modernos de gestão e investimentos pesados em tecnologia e capacitação.

A reforma administrativa precisa diferenciar áreas que necessitam de ajustes estruturais daquelas que já operam em altíssimo nível de eficiência. O caso da PGFN e da AGU deve ser visto como um laboratório de boas práticas e não como alvo de medidas que possam desorganizar um modelo vencedor.

A tentativa de enfraquecer o sistema de honorários advocatícios, por exemplo, ignora não apenas sua legalidade, reconhecida pelo Congresso e pelo STF, mas também seu papel estratégico de autofinanciamento da modernização institucional. Esses recursos não geram ônus ao contribuinte, uma vez que são pagos pelas partes adversas em processos contra o Estado, e retornam em forma de sistemas inteligentes, servidores mais qualificados e maior proteção ao patrimônio público.

Ao contrário da ideia de "privilégio", a realidade mostra que a Advocacia Pública Federal é um exemplo de inteligência na gestão de recursos públicos. Os honorários não são apenas remuneração: são combustível para um ciclo virtuoso que multiplica a eficiência estatal. Portanto, se a reforma administrativa pretende de fato transformar o Estado brasileiro, precisa ser capaz de identificar, preservar e replicar experiências de sucesso como a da PGFN e da AGU. O desafio é modernizar o que está ultrapassado, sem desmontar o que já funciona.

O Brasil precisa de uma reforma administrativa que seja ao mesmo tempo corajosa e sensata. Corajosa para enfrentar privilégios e ineficiências históricas. Sensata para valorizar e expandir modelos comprovadamente eficazes. No caso da Advocacia Pública Federal, a escolha é clara: não se deve punir a eficiência, mas sim reconhecer que quando o Estado investe com inteligência, toda a sociedade colhe os frutos.

*Presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional e procuradora da Fazenda Nacional

Condenação da parte em litigância de má-fé por conduta atribuível ao advogado

Por Luís Eduardo R. Moraes Oliveira* - Pela vivência na advocacia e em razão do acontecimento de alguns casos recentes, questão importante surge para debate entre todos aqueles que trabalham com o direito.

A conduta do advogado no trato processual e até mesmo pré-processual deve estar lastreada na cristalina avaliação do sucesso ou insucesso de determinada demanda.

Imaginemos uma situação na qual o direito do autor não é transparente, as provas não corroboram frontalmente os fatos, mas mesmo assim o advogado em conversa com o cliente, que não domina a técnica jurídica, afirma boas chances de vencer o processo.

A causa tramita e o réu, ao final, em razão da completa impossibilidade de êxito por parte do autor e pelas condutas correlatas, requer a sua condenação em litigância de má-fé. De que modo deve o julgador lidar com essa questão? O autor não é dotado de conhecimentos jurídicos e confiou em seu advogado que afirmou ser plausível a demanda.

Igualmente, caso a parte incorra em qualquer das condutas tipificadas como litigância de má-fé, há processos em que sequer há ciência do que o advogado esteja fazendo tecnicamente no processo, em razão da confiança no profissional.

O CPC (1) afirma que responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente. Não há aí a figura do advogado. Porém, atesta (2) que além de outros previstos, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: expor os fatos em juízo conforme a verdade; não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito, dentre outras condutas elencadas.

Portanto, os advogados estão inseridos na parte concernente aos deveres processuais, não escapando a sua atuação da boa-fé e do agir leal para com todos participantes do processo, principalmente seu cliente. Em que pese não haver previsão de multa para os advogados privados, há expressa menção de responsabilização perante o competente órgão de classe, ao qual o juiz oficiará(3).

Analisando o Estatuto da Advocacia, o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa e em caso de lide temerária (4), além do que será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

O próprio Estatuto não é claro acerca da aplicação de multa ao advogado no exercício de suas funções, porém dispõe que a penalidade poderá ser aplicada cumulativamente juntos aos outros tipos de sanções legalmente previstas.

Assim, é possível chegar-se a conclusão de que em que pese a necessidade de uma série de interpretações (subjetivismo) para a determinação de responsabilidade ou não do advogado ao patrocinar uma lide "carente de fundamentação e acervo probatório", esse não se encontra imune a punições.

Em recentes conversas, foi possível extrair a intenção da magistratura em construir um raciocínio para coibir e punir esse tipo de prática, de modo que são demandas dessa natureza que contribuem para a superlotação do Poder Judiciário.

De fato, apesar do mandato conferido, multar a parte por conduta técnica atribuível ao advogado por conduzir a demanda de forma inadequada, incidindo na tipificação legal, é algo desaconselhável, ao passo que atitudes processuais técnicas, em grande porção, são atribuíveis somente ao patrono.

Seria adequada a punição da parte pela forma como o advogado expõe os fatos em juízo, se provoca incidente manifestamente infundado (afirmando ser fundado), dentre outras condutas?

A existência de plena confiança no patrono retira dela o papel de fiscalizar toda e qualquer manifestação técnica, sendo desprovida até mesmo de conhecimentos para esse mister, ao tempo que entrega o seu direito ao profissional.

Como advogado, observo que não deve haver punição por acreditar em uma demanda posteriormente reputada temerária. Porém, é preciso atenção e sinceridade com o cliente para que sejam evitadas situações de tal jaez.

Há aí o desafio de estabelecer o equilíbrio entre a atuação do patrono dentro dos limites legais e a sua punição por patrocinar demanda temerária ou que atente contra a boa-fé em caso de ingresso no mundo jurídico, somado à percepção de que, via de regra, a parte encontra-se tecnicamente alheia aos atos processuais, repito, apesar do mandato.

Não se mostra correto punir a parte por uma conduta do advogado, devendo esse, munido dos conhecimentos de direito material e processual, distinguir uma demanda difícil de uma aventura jurídica. O tema merece reflexão!

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

*Advogado e autor de livros e artigos jurídicos

  • Google Discover Icon

Tags

Por Opinião
postado em 13/11/2025 00:01 / atualizado em 13/11/2025 13:05
x