Com o apoio das amigas, a multi-instrumentista e professora de música Sara Abreu, guitarrista da banda Estamira, realiza um financiamento coletivo para abrir a tão sonhada academia de música. O objetivo é abrir as portas da No Seu Ritmo em 29 de agosto, em Águas Claras.
Com os recursos obtidos pela vaquinha virtual, serão feitas reformas no espaço e adquiridos os primeiros instrumentos para o início das atividades. Como recompensa, os apoiadores poderão optar por adquirir aulas, concorrer a sorteios ou investir no projeto Ritmo de Oportunidade, que financiará instrumentos e aulas para alunos da periferia.
Vai fazer um ano que Sara Abreu decidiu fundar a própria academia de música. A artista começou a juntar dinheiro para concretizar o sonho, contudo, a chegada da pandemia impôs novos obstáculos. A escola na qual Sara dá aulas fechou por cerca de três meses, e, com o salário caindo para menos da metade, ela precisou usar as economias. “Ficou impossível até pagar as contas todas de casa, que dirá ter dinheiro para fazer a loja”, explica.
No entanto, com o apoio das amigas e o financiamento, o plano não precisará ser adiado. Por conta da própria trajetória como artista e professora, e do amor à música, Sara compreendeu o valor de oferecer uma oportunidade a quem precisa, além dos diversos benefícios que a música pode proporcionar às pessoas. Por isso, ela não pretende abrir uma escola comum, que Sara acredita privilegiar apenas a parte técnica da música.
“A ideia partiu da vontade de criar um ambiente diferente do que eu via nas escolas que eu conheci. Que fosse uma coisa mais criativa, que tivesse um ensino mais divertido, direcionado para a necessidade de cada pessoa. Tem gente que procura aula de música por necessidade. Mãe que coloca criança para melhorar a atenção na escola, gente que tem depressão e faz música para aliviar um pouco, que trabalha demais e só quer um hobby pra desestressar, gente que não tem amigos e procura a música para ter um ambiente, gente que quer formar banda. Eu queria criar esse ambiente no qual eu pudesse trabalhar com toda essa gama que a música pode trazer para a vida das pessoas", explica Sara.
A escola terá aulas de segunda a sábado, além de uma plataforma on-line com professoras de diferentes estados brasileiros. De início, no espaço físico, serão oferecidas aulas de guitarra, violão, contrabaixo e bateria, ministradas por ela, com o reforço da baterista Maiara Nunes, companheira na banda Estamira. Haverá também uma professora de piano e teclado, ainda em fase de negociação.
Outro objetivo da academia, que terá aulas de prática de conjunto, será ajudar na formação de novas bandas, como Sara fez com o grupo infanto-juvenil Os Minhocas. “A ideia é criar esse ambiente no qual eu possa ter a tranquilidade de fazer bandas ou ensinar pessoas que só querem aprender a tocar suas músicas favoritas”, resume.
No Seu Ritmo
As colegas da banda sempre incentivaram Sara a dar aulas, mas ela não acreditava na possibilidade. "Eu vim de um lugar em que é muito difícil a gente acreditar que pode. Eu não conseguia me imaginar como professora, achava que não era capaz", justifica. Há uns quatro anos, ela começou a trabalhar como recepcionista em uma escola de música de Águas Claras, cidade onde mora atualmente, e começou a estudar mais sobre teoria musical com a perspectiva de um dia, quem sabe, começar a dar aulas.
A oportunidade veio muito mais rápido do que ela imaginava. Um dia, um professor de violão faltou duas aulas seguidas, e o dono da escola pediu para que Sara o substituísse. Dois dias depois, chega a mãe da aluna e diz para a recepcionista que gostaria de conversar em particular com o dono. “Enquanto eles conversavam, eu fiquei naquela, morrendo de medo, pensando ‘o que que eu fiz de errado?’”, relembra.
Mas não era nada disso: a mãe da aluna havia exigido ao proprietário que a professora substituta se tornasse definitiva, ou rescindiria o contrato. "Acho que ela nem sabia que eu trabalhava na recepção da escola, que era eu que tinha dado a aula da filha dela, então foi muito emocionante para mim. Foi minha primeira aluna e, desde então, comecei a fazer sucesso com as aulas”, conta.
Em dois anos, Sara era a professora com mais alunos na escola. “Com essa oportunidade, eu consegui acreditar no meu potencial, acreditar que eu consigo fazer isso e eu faço isso muito bem. Me deu a força que faltava para acreditar que eu era capaz de transformar a minha vida por meio da música, e hoje em dia eu tenho a oportunidade de transformar a vida de outras pessoas também".
A professora atribui o sucesso ao amor pela música, ao carinho e à atenção aos sonhos e necessidades de cada aluno. Baseada nisso, desde que decidiu fundar a própria academia, Sara vem escrevendo um método que regerá a dinâmica de todos as profissionais que vierem a trabalhar na escola, passando por um curso. “É um curso de como dar aula, como ir realmente no ritmo do aluno. Todas as professoras vão usar o próprio método musical, mas baseado no formato que eu acredito que dá certo e que foi um sucesso para mim, que eu vi mudar a vida e realizar sonhos dos alunos".
Início na música
Aos 17 anos, Sara decidiu comprar o primeiro violão. Começou a se interessar pelo instrumento ao ver os amigos da rua e da igreja tocando, mas não tinha dinheiro para comprá-lo, então, por ideia do padrasto, começou a garimpar fios de cobre no lixão para derreter e vender junto com latinhas de alumínio. “A gente morava na periferia da Samambaia, na época que não tinha nem luz, nem água encanada”, lembra a guitarrista, que se mudou com a família, aos seis anos de idade, para a cidade.
Logo vieram as bandas, duas de new metal e uma de deathcore, ambas cristãs, e com elas a necessidade de adquirir uma guitarra. Desta vez, o plano foi vender amendoins torrados. “À duas quadras da minha casa, tinha uma fábrica de amendoim. A gente ia lá, torrava, descascava, fazia os potinhos do amendoim, colocava na lata e ia vender dentro dos ônibus, quando o motorista abria, claro, e no semáforo da QNL da Samambaia, que hoje nem existe mais", lembra. Assim, veio a primeira guitarra, uma Washburn WG 240, da qual, anos mais tarde, teria que se desfazer, com uma dor no peito, por questões financeiras.
Estudar o instrumento era um desafio à parte, sem dinheiro para pagar aulas ou cursos, acesso à internet e outras comodidades. Para tirar uma música de ouvido, era preciso esperar tocar na rádio e gravar em uma fitinha. Para aprender os acordes, tinha que ir na banca, comprar revistas de cifra e aprender as músicas que estivessem disponíveis. “Às vezes, pedia para algum amigo me ensinar a tocar alguma coisa, mas era muito difícil, porque normalmente os caras não querem ensinar as 'minas'. Eles desdenham, acham que a gente não vai aprender a tocar, que é muito difícil, ou que não é coisa de mulher. Eu tive que aprender na raça".
Em 2002, fora das primeiras bandas, fundou com as amigas Ludmila Gaudad e Clarissa Carvalho a Estamira, banda de metal formada apenas por mulheres. A banda circulou por todo o DF, tocou em grandes festivais da região e em outros estados. Após uma pausa, Sara criou o power trio Mãe Hostil, antes do retorno das atividades da Estamira, e participou de um retorno da banda PUS, assumindo o lugar originalmente ocupado pela guitarrista Syang. O fundador da banda, Ronan Meireles, anunciou na internet a vaga para uma mulher guitarrista e inúmeras pessoas indicaram o nome de Sara para o posto. Hoje, além da Estamira, ela tem um duo com o aluno Caio Terra, d’Os Minhocas, chamado 2B.
*Estagiário sob supervisão de Roberta Pinheiro
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