Cinema

Streaming é visto como alternativa para estreia de filmes nacionais

Preteridos para os blockbusters internacionais quando se fala de lançamento nas telonas, filmes brasileiros apostam na migração para o streaming em meio à tímida retomada do mercado

Adriana Izel
postado em 14/11/2020 06:05 / atualizado em 14/11/2020 09:50
 (crédito: Desiree do Valle/Divulgação)
(crédito: Desiree do Valle/Divulgação)

O cinema brasileiro sempre teve que disputar espaço com os longas-metragens internacionais nas telonas. Com o fechamento das salas de cinema durante parte da pandemia de covid-19, diversos filmes nacionais ficaram sem perspectiva de estreia, aguardando a reabertura. Mesmo com a retomada, que aconteceu na maioria das cidades brasileiras, a situação continua delicada. Mais do que nunca as produções do Brasil têm que enfrentar a guerra acirrada no calendário de lançamentos. Em meio a isso, surgiu uma alternativa: o streaming. O formato, que sempre foi mais conhecido pelas séries, abraçou a oportunidade lançado produções que ficaram de fora dos cinemas tradicionais ou que tiveram sessões praticamente meteóricas.

Desde 29 de outubro, a Amazon Prime vídeo lança toda quinta-feira — assim como costuma acontecer nas salas de cinema tradicionais — um filme nacional inédito. O projeto teve início com o terror A gruta, de Arthur Vinciprova, com Carolina Ferraz no elenco. Na semana seguinte, em 5 de novembro, foi a vez de lançar Os espetaculares, com Paulo Mathias Jr., Rafael Portugal e Luísa Perrissé. Nesta semana, chegou ao serviço Carlinhos e Carlão protagonizado por Luis Lobianco, Luis Miranda e Suzy Brasil. Na próxima quinta-feira, dia 19, será vez de No gogó do Paulinho, filme sobre o personagem Paulinho Gogó, de Maurício Manfrini.

A parceria com o streaming tem sido elogiada pelos atores, que, até então, estavam com as obras prontas, mas sem saber quando seriam lançadas na telona. No gogó do Paulinho tinha previsão de estreia em 9 de março nos cinemas, mas por uma opção estratégica teve o lançamento adiado para abril. Foi o que salvou o filme. “Se tivéssemos lançado, estava tudo perdido, porque dia 11 (com a oficialização da pandemia) fecharam os cinemas. Mas eu procuro me apegar sempre a algo positivo. Comecei a vislumbrar outras possibilidades. A atitude mais inteligente foi abraçar junto com a Amazon Prime Vídeo esse crescimento do streaming. Isso amenizou aquela frustração”, comenta Maurício Manfrini.

O ator, inclusive, destaca que a iniciativa pode abrir mais portas. “Como diria o Paulinho, “estou curtindo essa novidade nova”. Está sendo muito legal, porque isso abre a possibilidade para novos projetos, novos atores, novas produções”, destaca Manfrini. Também foi com animação que Paulo Mathias Jr, que interpreta um comediante de stand up em Os espetaculares, viu a estreia do longa numa plataforma on-demand. “Os filmes brasileiros não costumam ter tanto apelo quanto os filmes vindo de fora. A gente vive uma luta há anos. Já lancei filme que nascia morto, com poucas cópias. O streaming veio para ajudar e potencializar o cinema nacional. Espero que faça com que as pessoas assistam (o cinema nacional). É uma militância assistir a filmes brasileiros. Você ajuda a máquina a girar, faz acontecer”, avalia.

Luis Miranda, que vive Evaristo em Carlinhos e Carlão — longa sobre um mecânico rodeado de um contexto machista e homofóbico que se vê transformado após a compra de um armário —, completa dizendo que essa é uma forma que o cinema brasileiro encontrou de resistir. “Acho importante dizer que estamos indo para o streaming porque a gente está desapoiado para ir aos cinemas. Isso é um ato de resistência. Estamos aqui dizendo que o cinema existe e que vamos continuar falando das nossas coisas. Não vamos abaixar a cabeça. Estamos aqui levando a nossa mensagem que brevemente estaremos nos cinemas de novo. Talvez, hoje, a gente nem conseguisse gravar esse filme”, define o ator enfatizando a falta de incentivo ao cinema nacional e o momento de intolerância que vive o país. O filme foi gravado em 2017.

Filme 'De perto ela não é normal'
Filme 'De perto ela não é normal' (foto: Globo Filmes/Divulgação)

Alternativa

Assim como fez a Amazon, o canal Telecine, disponível na tevê por assinatura, e também em formato on-demand na versão Play, lançou em setembro o projeto Première Telecine, selo que, a cada mês, exibe produções inéditas e exclusivas no streaming e na televisão fechada. A abertura foi com Três verões, de Sandra Kogut, sobre uma empregada vivida por Regina Casé que acaba se envolvendo nos negócios ilícitos dos patrões.
No mês seguinte, a comédia Não vamos pagar nada de João Fonseca protagonizada por Samantha Schmütz e Edmilson Filho teve a estreia. Como bem diz o nome da produção, a história acompanha Antônia, uma mulher que resolve saquear um mercado por causa dos preços abusivos. Em 5 de novembro, o canal fez o lançamento híbrido do filme De perto ela não é normal, lançado uma semana antes nos cinemas, tendo Suzana Pires trazendo para o formato um monólogo de sucesso do teatro sobre a personagem Suzi, uma mulher que vive uma vida infeliz e precisa voltar a aprender a se amar.

A Netflix tem absorvido os filmes independentes ou considerados fora do maistream. Em outubro, a plataforma lançou Ontem havia coisas estranhas no céu, de Bruno Risas, longa premiado com o Loridan-Ivens/CNAP no 42º Cinéma du Réel, na França. A obra mistura documentário e ficção para mostrar o cotidiano de uma família em um bairro operário de São Paulo. No próximo dia 20 será a vez de Sem seu sangue, de Alice Furtado, filme com temática jovem que acompanha Silvia (Luiza Kosovski), uma garota que se apaixonada por Artur (Juan Paiva), e precisa lidar com uma doença hereditária do rapaz, além de um acidente. O filme chegou a ser exibido na Quinzena dos Realizadores do 72º Festival de Cannes, na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e no Festival Internacional de Cinema do Rio, além de ter estreado neste ano nos cinemas, antes de chegar à Netflix.

Cena do filme 'Sem seu sangue' de Alice Furtado
Cena do filme 'Sem seu sangue' de Alice Furtado (foto: Felipe Quintelas/Divulgação)

O lançamento no streaming é visto pela diretora “como o melhor dos mundos”. “Porque, pelo menos, o filme vai ser visto e de uma forma que está muito presente na vida das pessoas, que consomem todos os dias. Sinto que é um bom momento para as pessoas se voltarem para os nossos filmes”, comenta. Ela diz que o formato também pode ajudar, já que o futuro ainda é repleto de incertezas quando se fala no cinema nacional. “Ainda existe uma insegurança muito grande do público de ir (às salas). É difícil até para gente convocar (o público para assistir às produções)”, comenta.

O lançamento digital foi a aposta da Maria Farinha Filmes para o documentário O começo da vida 2: Lá fora, de Renata Terra, que, desde quinta-feira, está na Netflix, iTunes, Google Play, Youtube, Videocamp, Net Now, Vivo Play no Brasil, além de países como México e Estados Unidos, também no on-demand. A obra é uma continuação de O começo vida, de 2016, e mostra a relação das crianças com a natureza.

“Neste ano desafiador que atravessamos, todos os nossos lançamentos foram 100% digitais. Essa realidade acabou ampliando muito a audiência e o impacto dos nossos projetos. O documentário Um crime entre nós, por exemplo, com a nossa campanha, alcançou mais de 17 milhões de pessoas nas redes sociais. Para O começo da vida 2: Lá fora, a estratégia antes da pandemia certamente incluiria os cinemas, já que nosso primeiro filme da franquia foi o documentário mais visto nos cinemas em 2016 e nada substitui a experiência coletiva da sala de cinema. Mas o foco sempre foi chegar mais longe e estamos muito felizes com o lançamento global”, explica Luana Lobo, sócia diretora da Flow, distribuidora de projetos culturais de impacto e da Maria Farinha Filmes.

Cena do filme 'O começo da vida 2: Lá fora' de Renata Terra
Cena do filme 'O começo da vida 2: Lá fora' de Renata Terra (foto: Maria Farinha Filmes/Divulgação)

Apesar da boa fase, Luana Lobo não acredita que o futuro do cinema nacional seja migrar completamente para o serviço de streaming. “Durante a pandemia, o mercado se viu forçado a inovar e experimentar muito na distribuição. Acredito que levaremos muitos aprendizados coletivos deste período desafiador. Não acho que daqui pra frente todo lançamento será 100% digital, cada projeto merece um olhar individual e cuidadoso para chegar ao seu público, sem a aplicação de uma “fórmula” pronta”, completa. 

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