Artes visuais

Mistura entre popular e erudito é marca de xilogravuras de Valdério Costa

Exposição de xilogravuras de Valdério Costa traduz em imagens ícones da cultura popular e erudita, além de reproduzir cenas históricas de Brasília. Literatura de cordel inspirou o artista

Nahima Maciel
postado em 26/09/2021 06:54
 (crédito: Fotos: Valdério Costa/Divulgação)
(crédito: Fotos: Valdério Costa/Divulgação)

No cordel de Valdério Costa, tem JK, Niemeyer e Lucio Costa lado a lado, candangos apertados em um pau-de-arara, Bruno Giorgi e seus guerreiros, o Congresso Nacional, o cerrado, os pioneiros, uma neném com fundo de azulejos de Athos Bulcão. Mas também tem personagens do Romance do Pavão Misterioso, uma homenagem a Ismália de Alphonsus de Guimarães e um pouco do universo de Dom Quixote. Em cartaz na galeria Parangolé do Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul, a exposição Xilogravura e literatura de cordel reúne 30 obras do artista nascido em Natal e radicado em Brasília desde menino.

Parte de um projeto maior, que envolve literatura de cordel e xilo em uma série de eventos, a mostra faz um passeio pelos temas caros a Valdério, cujo avô recitava e declamava cordéis para encanto do então menino. “A xilo é uma arte autônoma, você pode fazer sobre qualquer tema, mas a maioria está ligada ao romanceiro nordestino”, conta o artista. “Eu tinha um avô que era desse universo, contava histórias e declamava, então, herdei dele essa coisa do fascínio pela literatura de cordel. Sou oriundo da região, desse universo, mas tenho formação acadêmica, juntei as duas coisas”, explica.

Formado em artes visuais pela Universidade de Brasília (UnB), o artista estudou a técnica da xilogravura durante o curso, mas se afastou da proposta mais contemporânea que guia a instituição. “A gravura feita na UnB é mais ligada na arte contemporânea, erudita, mas minha pegada é mesmo a cultura popular, minhas influências são artistas populares que vi e conheço pessoalmente”, avisa.

Esse universo é uma referência forte para o artista, mas Valdério gosta de dizer que bebe em todo tipo de fonte. Para ele, não há diferença, tudo é arte. Na literatura, as referências vão de Patativa do Assaré, J. Borges e os grandes cordelistas nordestinos, além de Shakespeare e Cervantes. “As pessoas, se prestarem atenção nos temas, e são diversos, vão perceber que sofri influência de todos. Essa segmentação que as pessoas veem, isso é um equívoco, acham mais fácil colocar numa caixinha, num nicho, mas quem faz arte não está nem aí para isso. Para mim, arte é uma coisa só”, diz.

O artista sempre valorizou o artesanato. Para ele, há um equívoco comum, no mundo da arte contemporânea, separar o popular do erudito. Valdério lamenta a diminuição do artista popular devido à ausência de educação formal no campo da arte. “Eu não vejo distinção nenhuma. A diferença é só que o artista popular não teve a formação acadêmica, mas o saber é o mesmo, a arte tem vários segmentos. Meu trabalho vai sempre ter essa coisa de mostrar esse lado, essa ligação com o popular, mais primitiva no sentido de estar mais perto da origem, do início”, garante.

Reconhecimento

Aos 55 anos, Valdério encara sua produção como a soma de lembranças, de leituras e de encontros. “O que me fascina na xilogravura é a questão da autenticidade, ela está muito ligada ao povo, assim como minha história pessoal”, explica. Para ele, há um espaço de reconhecimento do pertencimento e da identidade na arte de manifestação folclórica e popular, por isso, ela é capaz de atrair o público com muita facilidade. O artista acredita que isso é possível, porque as pessoas encontram ali referências às próprias origens e heranças. “Herdamos coisas da África, da Europa, dos povos originários e misturamos isso tudo, as pessoas ficam fascinadas porque se reconhecem como povo, como brasileiro, acho que é isso que me fascina.”

A exposição é um recorte em um conjunto de xilogravuras realizadas ao longo de toda a trajetória do artista. Além delas, estão também expostos folhetos de cordel e matrizes em madeira utilizadas para criar as xilos. “Essas obras também representam o cotidiano, minhas lembranças de infância e essa questão do urbano de Brasília”, avisa o artista, que sempre brinca ter sido escolhido pelo universo popular. “Eu não escolhi fazer xilo, eu não cortei o cordão umbilical, nem essa ligação com o passado, com essa coisa da arte da gravura ligada ao romanceiro popular. Eu absorvi o conhecimento da academia, mas mantive essa minha ligação com o tradicional, o popular. Não vejo nenhum problema de juntar as duas coisas, essa distinção está mais na parte teórica do que na prática. Eu não fiz escolha, eu fui escolhido”, avisa.

 

Xilogravura e literatura de cordel
Exposição de Valdério Costa. Visitação até 31 de outubro, na Galeria Parangolé, no Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul)

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  •  2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo.
    2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo. Foto: Valdério Costa/Divulgação
  •  2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo.
    2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo. Foto: Valdério Costa/Divulgação
  •  2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo.
    2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo. Foto: Valdério Costa/Divulgação
  •  2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo.
    2021. Credito: Valdério Costa/Divulgacao. Cultura. Obras de Valdério Costa na exposição Xilogravura e literatura de cordel, no Espaço Cultural Renato Russo. Foto: Valdério Costa/Divulgação
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