MÚSICA

Encontro memorável: João Donato e Jards Macalé juntos em 'Síntese do lance'

João Donato e Jards Macalé se encontraram para gravar o álbum 'Síntese do lance', com 10 canções inéditas. Uma delas é parceria dos dois

Irlam Rocha Lima
postado em 24/10/2021 06:00 / atualizado em 24/10/2021 16:49
João Donato e Jards Macalé fazem parceria inédita em novo álbum -  (crédito: Leo Aversa/Divulgacao. João Donato e Jards Macalé)
João Donato e Jards Macalé fazem parceria inédita em novo álbum - (crédito: Leo Aversa/Divulgacao. João Donato e Jards Macalé)

Artistas de diferentes gerações, com relevante contribuição à música popular brasileira, os compositores, cantores, arranjadores e instrumentistas João Donato e Jards Macalé ainda não haviam juntado os talentos em algum trabalho. Isso, porém ocorreu recentemente quando os dois se reuniram no estúdio Rocinante, em Araras, na região serrana do Rio de Janeiro, para gravar o álbum Síntese do lance, com o registro de 10 músicas inéditas. A maioria das composições tem a assinatura de cada um deles, que se juntam em uma única parceria. Os dois, porém, tocam em todas as faixas e são responsáveis pelos arranjos.

O CD tem como produtores Marlon Sette, Sylvio Fraga e Pepê Monnerat. Foram os três, também, que promoveram o encontro dos artistas, músicos de origens e estilos diferentes. O acriano Donato, pré-bossanovista que desde a década de 1960 é reverenciado como criador de fusões jazzísticas e autor de clássicos como A Paz, A Rã, Bananeira e Emoriô. Já o carioca Macalé, responsável por vários sucessos, entre os quais Anjo exterminado, Hotel das estrelas, Mal secreto e Movimento dos barcos, passou a ser celebrado a partir dos anos 1970 pela atuação na vanguarda de MPB.

“Já havíamos produzido um disco com Macalé, no qual ela recria sambas de Zé Keti, a ser lançado em breve; e queríamos gravar com Donato. Um dia deu um estalo, e imaginamos os dois compondo, tocando e cantando juntos. Aí, idealizamos um projeto, propomos a eles, que toparam na hora. Para nós, foi um sonho”, comemora o poeta e instrumentista Sylvio Fraga, sócio de Monnerat no Rocinante. Síntese do lance acaba de chegar às plataformas digitais e há previsão de ser lançado no formato físico.

Macalé contou ao Correio que, desde jovem, quando começou a gostar de música, é fã incondicional de Donato. “Ele, Jobim, João Gilberto e Johnny Alf eram os quatro jotas de quem sempre fui devoto. Era amigo dos três últimos. Receber o convite para gravar um disco com João foi uma dádiva. Faltava ele na minha coleção de amizades”, ressalta. “Uma das faixas do Síntese do lance, João Duke, é um tema instrumental, inspirado na sonoridade proposta por João e Duke Ellington”, complementa.

Coco táxi, que abre o repertório, é a primeira parceria de João Donato e Jards Macalé. O verso inicial diz: “Coco táxi, coco louco/ É nesse balanço que eu fico louco/Coco táxi, coco louco/ É nesse balanço que fico solto”. Nessa fusão de ritmos cubanos e latino-americanos, a letra fala de um triciclo que tanto ele quanto Donato, em diferentes momentos, já utilizaram em Havana. “Trata-se de um pitoresco meio de transporte usado por turistas na capital de Cuba.” Ele acrescenta: “O João me mandou esse tema para eu fazer a segunda parte. Lembrando das andanças na Malecón, a avenida que cruza Havana, em um veículo inseguro. A cada esquina parecia que ia virar”.

Já as outras oito músicas nasceram individualmente. Jards Macalé, que sozinho compôs Lídice, dedicada à mulher tem parceiros, como Joyce Moreno (Um abraço do João), Ronaldo Bastos (O amor vem da paz) e Sílvio Fraga (Ontem e hoje). João Donato fez Dona Castorina, para a mulher, Ivone Belém; Síntese do lance, em parceria com Marlon Sette e Açafrão, que tem a participação de Marlon Sette e Sylvio Fraga, autores de Caruru. Os dois mais Guto Wirti (contrabaixo acústico), José Arimatea (trompete), Kainam Jejê e Luizinho Jejê fazem o acompanhamento.

 

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Entrevista / João Donato

 (crédito: Leo Aversa/Divulgação.)
crédito: Leo Aversa/Divulgação.

Embora não sejam da mesma geração, você e Jards Macalé são músicos e compositores com longas trajetórias artísticas. Por que ainda não haviam trabalhado juntos?
Porque não havia acontecido antes. Por um acaso, assim como não fiz música com Vinicius de Moraes, com Dolores Duran... é destino, acaso. Mas foi muito bom esse encontro, a música do Jards é simples e alegre.


Como foi este encontro no Síntese do lance, promovido pelos produtores do álbum?
Recebi um convite do Marlon Sette: o que eu achava de gravar um LP em um estúdio em Araras, com Jards Macalé. Isso no meio da pandemia da covid-19. Eu prontamente aceitei. Ar puro, serra do Rio, comida da roça, passarinho, esquilo, gato, cachorro, galinha, cachoeira, mato puro. Já viu, né, um cara do Acre receber um convite desses! Fiquei feliz de gravar um disco com o Jards, que eu conheço e admiro há tanto tempo. E o time de músicos: Marlon e Arimatéa que já tocam comigo há muito tempo, Guto Wirti, pai e filho baianos Jêje. E depois vieram as letras do Sylvio Fraga, uma feliz surpresa.


O título do disco veio de onde?
O título veio de uma anotação musical em um caderno que eu encontrei durante a pandemia. Rabiscos da década de 70. Peguei o caderno e, aleatoriamente, resolvi ver do que se tratava aquela anotação musical com o título Síntese do lance. E saiu um pedaço do ponto do ZePelintra. Aí, o Marlon colocou a segunda parte e virou uma música boa de se cantar com a galera. Do título dessa música pronta, saiu o nome do disco, que vai ser lançado em LP em dezembro e traz surpresas em relação ao disco no digital que está sendo lançado agora.


As músicas de sua autoria que estão no repertório foram compostas quando?
Algumas durante o processo da gravação e outras eram apenas anotações de ideias musicais que durante o isolamento social a gente teve tempo para anotar e pegar os papeizinhos. Outras surgiram no estúdio.


Há o tema instrumentalDona Castorina, que você dedicou à Ivone Belém, sua mulher e empresária. Como ela recebeu a homenagem?
Ela curtiu voltar aos tempos em que éramos dois namoradinhos e que ela vinha de Brasília para o RIo me visitar. Esse tema eu encontrei em um arquivo de áudio gravado em um CD caseiro com o título Dona Castorina.


Por que do nome dado à composição?
Dona Castorina é o nome de uma rua linda na Floresta da Tijuca, perto da Vista Chinesa, onde passeávamos para escutar os passarinhos e sentir o cheiro bom da floresta. Eu apelidei a Ivone de Dona Castorina porque ela me chama de Castor, aqueles apelidos de namoradinhos, porque ela acha que eu tenho cara de castor.


Côco táxi, feita em parceria com Macalé, remete a Havana. Que lembrança guarda da capital cubana, que conhece bem?
Eu só tenho boas lembranças de Cuba, lá todo mundo toca um instrumento, tem um bom diálogo musical, a língua universal da humanidade. Nos passeios que eu fazia de coco táxi pelo Malecón, aquela avenida à beira mar em Havana, eu ficava cantarolando“coco taxi, coco louco”. Os coco taxi são uns veículos para turistas, uma motocicleta envolta em uma estrutura imitando um coco amarelinho, e eles correm muito, uma aventura (risos). Quando combinamos de gravar este álbum juntos, mostrei a ele esse pedacinho“coco taxi, coco louco“ e ele colocou a poesia“é nesse balanço louco que eu fico solto...“. E o Jards tem aquele jeito de cantar divertido, um violão alegrinho.


Durante o período da longa quarentena usou o tempo de que forma?
Mexi nas gavetas, nas montanhas de papéis, nas caixas com 1.600 fitas cassete e nos arquivos de áudio em várias mídias CD, DVD, midi... MP3, 4 e 5 (risos) eu sou do tempo da fita de rolo, do disco de 78 rotações por minuto. Tem tanto arquivo que a Ivone criou o Instituto João Donato para digitalizar tudo.


Já há uma agenda de compromissos para cumprir agora que as coisas, aos poucos, estão voltando à normalidade?
Meu primeiro show com público foi no Blue Note, em São Paulo, para onde voltei para um show com a Joyce Moreno, no Sesc Pompeia. Ainda tenho algumas lives agendadas para novembro e show no reveillondo Rio. Em estúdio, estou gravando com Donatinho nosso segundo disco, tendo como parceiros Russo Passapusso e Joyce Moreno. Estou também finalizando o disco que iniciei em 2018 com letras do Gilberto Gil, Tulipa Ruiz, Dona Onete e Céu. Em junho de 2022, vou passar um mês nos Estados Unidos gravando na Califórnia com o pessoal do Jazz is Dead, farei shows em Nova York; e em Miami vou reencontrar em estúdio e show com o Eumir Deodato, que não vejo há exatos 50 anos.


Tem previsão de retorno a Brasília?
A vontade é grande. Brasília tem uma cultura de música instrumental admirável. O que o Reco do Bandolim faz no Clube do Choro é de se aplaudir de pé!

Síntese do lance

Álbum de João Donato e Jards Macalé com 10 faixas. Lançamento nas plataformas digitais pelo selo Rocinante

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