LEITURA

Lançamentos literários abordam discriminação, identidade e diversidade

No mês da Consciência Negra, o Correio elencou alguns destaques da literatura que abordam a questão do racismo e da desigualdade

Nahima Maciel
postado em 06/11/2021 06:00 / atualizado em 06/11/2021 11:48
Miriam Alves escreveu livro de contos sobre violência contra a mulher -  (crédito: Divulgação)
Miriam Alves escreveu livro de contos sobre violência contra a mulher - (crédito: Divulgação)

Quem quiser dedicar o Mês da Consciência Negra à leitura de autores e temas que refletem sobre racismo, identidade, religião de origem africana e violência racial pode preparar uma agenda bem apertada, porque as opções recém-saídas dos fornos das editoras são muitas e todas assinadas pelos melhores nomes da literatura nacional e internacional.

Do Brasil, Miriam Alves vem com o livro de contos Juntar pedaços, uma coletânea de histórias concebidas a partir de situações de violência contra a mulher. Miriam é um dos nomes mais importantes do movimento da literatura negra no Brasil e completa quatro décadas de carreira este ano. Ao lado de escritoras como Conceição Evaristo e Esmeralda Ribeiro, é uma das autoras que há 40 anos trabalham por espaço para a literatura produzida por autores negros no Brasil.

Também brasileiro, Marcelo Moutinho é o organizador de Contos de axé, coletânea de narrativas curtas dedicadas aos arquétipos dos orixás. De Angola, com passagem por Portugal, Yara Nakahanda Monteiro fala de busca de identidade em Essa dama bate bué! e da Nobel de Literatura norte-americana Toni Morrison, a Companhia das Letras publica Sula, um romance de 1973. Expoente da geração mais contemporânea e considerada uma voz de impacto, Zakiya Dalila Harris fala da presença de afro-americanos na indústria editorial dos Estados Unidos em A outra garota negra. Confira detalhes sobre a lista preparada pelo Diversão&Arte.

Para celebrar os orixás


Quando idealizou Contos de axé, o escritor Marcelo Moutinho pensou em um livro que não fosse necessariamente para iniciados. Ele queria autores capazes de criar contos cuja temática girasse em torno das religiões de matrizes africanas. Escolheu 18 autores e pediu que criassem as ficções reunidas no livro. “A ideia foi ter uma diversidade de vozes do ponto de vista tanto de gênero quanto de raça e estilo literário”, avisa. “E minha ideia era que essa diversidade se estendesse à questão da iniciação.”

Moutinho não queria que todos os autores fossem iniciados nas religiões, mas que fossem capazes de criar em torno delas. Cada um escolheu um orixá como espécie de guia para a narrativa, cuja descrição didática antecede o texto. O resultado é muito diverso, com contos de diálogo mais direto com o mito ou com o próprio arquétipo, e outros em que os orixás serviram de ponto de partida para histórias passadas na contemporaneidade e sem referência muito explícita.

Contos de Axé — 18 histórias inspiradas nos arquétipos dos orixás
Organização: Marcelo Moutinho. Malê, 224 páginas. R$ 49,90

Encontros e desencontros


Sula e Nel eram amigas inseparáveis no meio oeste pobre americano, até que a primeira decide deixar a região em busca de oportunidades. Quando retorna à terra natal, é vista com desconfiança pela comunidade negra na qual cresceu, enquanto Nel se tornou uma liderança local.

Publicado em 1973, o romance de Toni Morrison reflete sobre raízes, identidade e o significado de comunidade em um país profundamente machucado pelo racismo. Liberdade sexual e econômica, conservadorismo versus progressismo, individualismo e coletividade são alguns dos temas tratados pela autora no romance.

Sula
De Toni Morrison. Tradução: Débora Landsberg. Companhia das Letras, 176 páginas. R$ 49,90

Violência contra a mulher


Juntar pedaços é um livro sobre violência contra a mulher. São 37 contos nos quais Miriam Alves constrói pequenas narrativas interligadas por uma temática comum. Uma das vozes mais antigas e importantes do movimento da literatura negra no país, com 40 anos de carreira, Miriam escolheu contar histórias de mulheres nesse pequeno livro que nasceu durante a pandemia e tomou corpo como forma de respiro após a autora concluir o romance Maréia.

Miriam trabalhou durante 30 anos no serviço social de dois hospitais públicos em São Paulo. Na pediatria, ela ouvia muitas histórias de mulheres vítimas de todo tipo de abuso. “E tinha várias histórias bem complicadas, sobretudo o impedimento de sair da relação abusiva. Isso me marcou muito. Estou há 15 anos aposentada do serviço social, mas tinha muitas vozes gritando dentro de mim”, conta.

A violência é a linha narrativa que costura todos os contos. “Quando monto um livro, faço questão de imprimir uma linha narrativa. Um livro só é absorvido pelo leitor quando existe essa linha narrativa. E a linha narrativa tem altos e baixos, de montanha russa, então nada que tem nesse livro é por acaso”, avisa. A identidade, a discriminação e o racismo também são elementos que unem todas a narrativas. Miriam lembra que há vários tipos de violência contra a mulher e é por essas nuances que ela transita nesta reunião de contos.

Juntar pedaços
De Miriam Alves. Malê, 112 páginas. R$ 42

Escritora Yara Nakahanda Monteiro
Escritora Yara Nakahanda Monteiro (foto: Paulo Pascoal)

Em busca da identidade


Vitória nasceu em Angola, é neta de colonos mestiços, cuja pele é escura demais para serem aceitos pelos brancos e clara demais para serem considerados iguais pelos negros. A menina foi entregue aos avós ainda bebê. A mãe se embrenhou na luta pela independência do país e desapareceu. A guerra veio e os avós carregaram Vitória para Portugal, onde cresceu certa de que, a essa altura, era órfã. Mas não se apaga assim uma identidade e, adulta, a personagem criada por Yara Nakahanda Monteiro parte para a África em busca da mãe.

Essa dama bate bué! é o primeiro romance da autora e narra uma trajetória que ela conhece bem. A própria Yara nasceu em Angola e cresceu em Portugal, para onde foi levada aos 2 anos.

Essa dama bate bué!
De Yara Nakahanda Monteiro. Todavia, 196 páginas. R$ 62

Mundo da edição


Depois de três anos trabalhando no mercado editorial, a escritora Zakiya Dalila Harris publicou um romance que explora o cenário extremamente competitivo e hierarquizado da publicação de livros nos Estados Unidos.

No livro, a personagem Nella Rogers é a única funcionária negra de uma editora. Contratada como assistente editorial, ela passa boa parte da vida profissional se sentindo deslocada até uma outra funcionária negra ser contratada e Nella se sentir em desvantagem. Para completar, ela passa a receber ameaças embutidas em pedidos para que deixe a empresa. "Boa parte de Nella veio de mim e de minhas experiências trabalhando no mundo da edição. Frequentemente fui a única garota negra sentada à mesa de trabalho", conta a autora. "E quando você é a única, é difícil não ter a sensação de que seus colegas de trabalho pensam que você representa as pessoas negras. Quando você não é a única, não é incomum imaginar se você não será constantemente comparada com outras pessoas negras do escritório. Eu queria olhar para todos esses sentimentos frustrantes a partir da perspectiva da Nella."

A outra garota negra
De Zakiya Dalila Harris. Tradução: Flávia Rössler e Maria Carmelita Dias. Intrínseca, 384 páginas. R$ 46,90

Mudança e diversidade


Escrito pela poeta Amanda Gorman, a mesma que recitou um poema durante a posse do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em janeiro, Canção da mudança é um livro infantil repleto de mensagens de esperança. Com ilustrações de Loren Long, a narrativa é protagonizada por uma menina negra que percorre as ruas de uma cidade a convidar crianças de diferentes origens e situações sociais para construir juntas espaços e pontes de diálogo. Meio ambiente, equidade de gênero e racial e tolerância são alguns dos temas abordados no livro

Canção da mudança
De Amanda Gorman. Tradução: Stephanie Borges. Intrínseca, 32 páginas. R$ 49,90

 

 2021. Credito: Nicole Mondestin/Divulgacao. Cultura. Escritora Zakiya Dalila Harris
2021. Credito: Nicole Mondestin/Divulgacao. Cultura. Escritora Zakiya Dalila Harris (foto: Nicole Mondestin/Divulgacao)

Três perguntas para Zakiya Dalila Harris

O quanto ficção e realidade se encontram no livro?

Eu dei a Nella minhas próprias experiências pessoais e características. Trabalhei no mundo da edição e era uma das poucas mulheres negras. Muitos personagens da Wagner Books são exagerados, mas eu realmente trouxe o ambiente — antiquado, peculiar e muito branco — da vida real para o livro. Também estou entendo a relação complicada de Nella com sua identidade negra. Frequentei uma escola básica predominantemente branca e cresci em uma vizinhança predominantemente branca, então, quando passei para o ensino fundamental e para o ensino médio em escolas com muito mais diversidade, experimentei um choque cultural. Às vezes eu era zombada pela maneira como falava ("como uma garota branca"). No entanto, enquanto Nella nunca teve um primeiro amigo verdadeiro negro até os 20 anos, eu tive a sorte de me enturmar em um maravilhoso grupo de amigos negros no meu primeiro ano do ensino superior. Outra diferença grande entre Nella e eu são nossas aspirações. Enquanto ela sonha em se tornar editora, meu maior sonho sempre foi escrever.

Como é a presença de pessoas negras no mercado editorial americano?

O mercado editorial tem sérias lacunas quanto à presença de pessoas de cor — especialmente negras. Quando eu estava no mercado, a maioria das pessoas negras com as quais eu estava em contato no trabalho eram guardas de segurança, recepcionistas ou o staff da correspondência. As pessoas que trabalhavam na área editorial eram, na maioria, brancas. Quando eu decidi sair da editora para terminar de escrever este livro, me senti culpada, como se estivesse desistindo de uma posição tão preciosa enquanto tantos outros lutam apenas para conseguir entrar. Eu sentia que tinha um senso de responsabilidade de tentar ajudar a fazer do escritório um lugar mais diverso. Mas o problema é que isso pode ser um peso e essa pressão pode levar você para todo tipo de coisa: burnout, virar um troféu, se sentir isolado. Isso é o que faz muitas pessoas negras quererem cair fora — elas não se sentem valorizadas. Eu acho que essa é uma das muitas razões pelas quais nós ainda somos sub-representados no mundo da edição e em outras indústrias corporativas similares.

E como isso reflete nas publicações?

Eu acredito que há mais livros publicados por autores negros do que negros trabalhando no mercado editorial. A contribuição artística dos negros tem, historicamente, sido mais aceita na cultura americana do que as próprias pessoas. Mas não é toda a cultua, porque, com frequência, se espera de escritores negros que escrevam um certo tipo de histórias, normalmente sobre lutas e racismo. Ter mais pessoas negras no mercado editorial diminui as chances de empregados negros se sentirem troféus ou isolados e poderia aumentar não apenas o número de autores negros publicados, mas também a diversidade entre as histórias publicadas.

  • Amanda Gorman, escritora ALEX WONG
  • Escritora Yara Nakahanda Monteiro
    Escritora Yara Nakahanda Monteiro Paulo Pascoal
  •  2021. Credito: Nicole Mondestin/Divulgacao. Cultura. Escritora Zakiya Dalila Harris
    Escritora Zakiya Dalila Harris Nicole Mondestin/Divulgacao
  •  2021. Credito: Todavia/Divulgacao.Cultura. Capa do livro Essa dama bate bué!
    Livro ’Essa dama bate bué!’, de Yara Nakahanda Monteiro Todavia/Divulgacao
  •  2021. Credito: Intrínseca/Divulgacao. Cultura. Capa do livro A outra garota negra, de   Zakiya Dalila Harris.
    Livro ’A outra garota negra’, de Zakiya Dalila Harris Intrínseca/Divulgacao
  •  2021.   Crédito: Companhia das Letras/Divulgacao. Cultura. Capa do livro Sula, de Toni Morirson.
    Livro Sula, de Toni Morirson Companhia das Letras/Divulgacao
  •  Crédito: Editora Malé/Divulgação. Livro Contos de Axé do escritor, Marcelo Moutinho.
    Livro ’Contos de axé’, do escritor Marcelo Moutinho Editora Malé/Divulgação
  •  Crédito: Leo Aversa/Divulgação. Marcelo Moutinho, escritor.
    Marcelo Moutinho, escritor Leo Aversa/Divulgação
  • Toni Morrison, escritora DON EMMERT

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Lista

 (crédito: Todavia/Divulgacao)
crédito: Todavia/Divulgacao

Para celebrar os orixás

Quando idealizou Contos de axé, o escritor Marcelo Moutinho pensou em um livro que não fosse necessariamente para iniciados. Ele queria autores capazes de criar contos cuja temática girasse em torno das religiões de matrizes africanas. Escolheu 18 autores e pediu que criassem as ficções reunidas no livro. “A ideia foi ter uma diversidade de vozes do ponto de vista tanto de gênero quanto de raça e estilo literário”, avisa. “E minha ideia era que essa diversidade se estendesse à questão da iniciação.”

Moutinho não queria que todos os autores fossem iniciados nas religiões, mas que fossem capazes de criar em torno delas. Cada um escolheu um orixá como espécie de guia para a narrativa, cuja descrição didática antecede o texto. O resultado é muito diverso, com contos de diálogo mais direto com o mito ou com o próprio arquétipo, e outros em que os orixás serviram de ponto de partida para histórias passadas na contemporaneidade e sem referência muito explícita.

Contos de Axé — 18 histórias inspiradas nos arquétipos dos orixás
Organização: Marcelo Moutinho. Malê, 224 páginas. R$ 49,90

Encontros e desencontros

Sula e Nel eram amigas inseparáveis no meio oeste pobre americano, até que a primeira decide deixar a região em busca de oportunidades. Quando retorna à terra natal, é vista com desconfiança pela comunidade negra na qual cresceu, enquanto Nel se tornou uma liderança local.

Publicado em 1973, o romance de Toni Morrison reflete sobre raízes, identidade e o significado de comunidade em um país profundamente machucado pelo racismo. Liberdade sexual e econômica, conservadorismo versus progressismo, individualismo e coletividade são alguns dos temas tratados pela autora no romance.

Sula
De Toni Morrison. Tradução: Débora Landsberg. Companhia das Letras, 176 páginas. R$ 49,90

Violência contra a mulher

Juntar pedaços é um livro sobre violência contra a mulher. São 37 contos nos quais Miriam Alves constrói pequenas narrativas interligadas por uma temática comum. Uma das vozes mais antigas e importantes do movimento da literatura negra no país, com 40 anos de carreira, Miriam escolheu contar histórias de mulheres nesse pequeno livro que nasceu durante a pandemia e tomou corpo como forma de respiro após a autora concluir o romance Maréia.

Miriam trabalhou durante 30 anos no serviço social de dois hospitais públicos em São Paulo. Na pediatria, ela ouvia muitas histórias de mulheres vítimas de todo tipo de abuso. “E tinha várias histórias bem complicadas, sobretudo o impedimento de sair da relação abusiva. Isso me marcou muito. Estou há 15 anos aposentada do serviço social, mas tinha muitas vozes gritando dentro de mim”, conta.

A violência é a linha narrativa que costura todos os contos. “Quando monto um livro, faço questão de imprimir uma linha narrativa. Um livro só é absorvido pelo leitor quando existe essa linha narrativa. E a linha narrativa tem altos e baixos, de montanha russa, então nada que tem nesse livro é por acaso”, avisa. A identidade, a discriminação e o racismo também são elementos que unem todas a narrativas. Miriam lembra que há vários tipos de violência contra a mulher e é por essas nuances que ela transita nesta reunião de contos.

Juntar pedaços
De Miriam Alves. Malê, 112 páginas. R$ 42

Em busca da identidade

Vitória nasceu em Angola, é neta de colonos mestiços, cuja pele é escura demais para serem aceitos pelos brancos e clara demais para serem considerados iguais pelos negros. A menina foi entregue aos avós ainda bebê. A mãe se embrenhou na luta pela independência do país e desapareceu. A guerra veio e os avós carregaram Vitória para Portugal, onde cresceu certa de que, a essa altura, era órfã. Mas não se apaga assim uma identidade e, adulta, a personagem criada por Yara Nakahanda Monteiro parte para a África em busca da mãe.

Essa dama bate bué! é o primeiro romance da autora e narra uma trajetória que ela conhece bem. A própria Yara nasceu em Angola e cresceu em Portugal, para onde foi levada aos 2 anos.

Essa dama bate bué!
De Yara Nakahanda Monteiro. Todavia, 196 páginas. R$ 62

Mundo da edição

Depois de três anos trabalhando no mercado editorial, a escritora Zakiya Dalila Harris publicou um romance que explora o cenário extremamente competitivo e hierarquizado da publicação de livros nos Estados Unidos.

No livro, a personagem Nella Rogers é a única funcionária negra de uma editora. Contratada como assistente editorial, ela passa boa parte da vida profissional se sentindo deslocada até uma outra funcionária negra ser contratada e Nella se sentir em desvantagem. Para completar, ela passa a receber ameaças embutidas em pedidos para que deixe a empresa. "Boa parte de Nella veio de mim e de minhas experiências trabalhando no mundo da edição. Frequentemente  fui a única garota negra sentada à mesa de trabalho", conta a autora. "E quando você é a única, é difícil não ter a sensação de que seus colegas de trabalho pensam que você representa as pessoas negras. Quando você não é a única, não é incomum imaginar se você não será constantemente comparada com outras pessoas negras do escritório. Eu queria olhar para todos esses sentimentos frustrantes a partir da perspectiva da Nella."

A outra garota negra
De Zakiya Dalila Harris. Tradução: Flávia Rössler e Maria Carmelita Dias. Intrínseca, 384 páginas. R$ 46,90

Mudança e diversidade

Escrito pela poeta Amanda Gorman, a mesma que recitou um poema durante a posse do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em janeiro, Canção da mudança é um livro infantil repleto de mensagens de esperança. Com ilustrações de Loren Long, a narrativa é protagonizada por uma menina negra que percorre as ruas de uma cidade a convidar crianças de diferentes origens e situações sociais para construir juntas espaços e pontes de diálogo. Meio ambiente, equidade de gênero e racial e tolerância são alguns dos temas abordados no livro

Canção da mudança
De Amanda Gorman. Tradução: Stephanie Borges. Intrínseca, 32 páginas. R$ 49,90

Três perguntas para: Kakyia Dalila Harris

O quanto ficção e realidade se encontram no livro?

Eu dei a Nella minhas próprias experiências pessoais e características. Trabalhei no mundo da edição e era uma das poucas mulheres negras. Muitos personagens da Wagner Books são exagerados, mas eu realmente trouxe o ambiente — antiquado, peculiar e muito branco — da vida real para o livro. Também estou entendo a relação complicada de Nella com sua identidade negra. Frequentei uma escola básica predominantemente branca e cresci em uma vizinhança predominantemente branca, então, quando passei para o ensino fundamental e para o ensino médio em escolas com muito mais diversidade, experimentei um choque cultural. Às vezes eu era zombada pela maneira como falava ("como uma garota branca"). No entanto, enquanto Nella nunca teve um primeiro amigo verdadeiro negro até os 20 anos, eu tive a sorte de me enturmar em um maravilhoso grupo de amigos negros no meu primeiro ano do ensino superior. Outra diferença grande entre Nella e eu são nossas aspirações. Enquanto ela sonha em se tornar editora, meu maior sonho sempre foi escrever.

Como é a presença de pessoas negras no mercado editorial americano?

O mercado editorial tem sérias lacunas quanto à presença de pessoas de cor — especialmente negras. Quando eu estava no mercado, a maioria das pessoas negras com as quais eu estava em contato no trabalho eram guardas de segurança, recepcionistas ou o staff da correspondência. As pessoas que trabalhavam na área editorial eram, na maioria, brancas. Quando eu decidi sair da editora para terminar de escrever este livro, me senti culpada, como se estivesse desistindo de uma posição tão preciosa enquanto tantos outros lutam apenas para conseguir entrar. Eu sentia que tinha um senso de responsabilidade de tentar ajudar a fazer do escritório um lugar mais diverso. Mas o problema é que isso pode ser um peso e essa pressão pode levar você para todo tipo de coisa: burnout, virar um troféu, se sentir isolado. Isso é o que faz muitas pessoas negras quererem cair fora — elas não se sentem valorizadas. Eu acho que essa é uma das muitas razões pelas quais nós ainda somos sub-representados no mundo da edição e em outras indústrias corporativas similares.

E como isso reflete nas publicações?

Eu acredito que há mais livros publicados por autores negros do que negros trabalhando no mercado editorial. A contribuição artística dos negros tem, historicamente, sido mais aceita na cultura americana do que as próprias pessoas. Mas não é toda a cultua, porque, com frequência, se espera de escritores negros que escrevam um certo tipo de histórias, normalmente sobre lutas e racismo. Ter mais pessoas negras no mercado editorial diminui as chances de empregados negros se sentirem troféus ou isolados e poderia aumentar não apenas o número de autores negros publicados, mas também a diversidade entre as histórias publicadas.