Neste domingo, comemora-se no Brasil o Dia do Quadrinho Nacional e, em homenagem à data, artistas da cidade preparam eventos para exaltar a produção local da arte que agrada a todas as idades e, para muitos, é a porta de entrada para um mundo mágico de cores, formas, desenhos e leitura.
Uma das comemorações será na Galeria de Arte Oto Reifchneider e na Oto Livraria, na 302 norte. Uma feira ao ar livre com uma seleção especial de quadrinhos de autores brasileiros estará à venda das 10h às 18h. O evento é uma parceria da livraria com o blog Raio Laser, especializado na crítica de quadrinhos. Raimundo Lima Neto, um dos integrantes do blog, acredita que este tipo de evento exaltando quadrinhos deveria ser comum em Brasília. "Como capital do país, Brasília deveria capitanear uma série de eventos comemorativos das mais diversas formas de cultura. As HQs são um tesouro cultural nacional que se beneficiam bastante com o simbolismo cívico da capital e assim Brasília também se enriquece", pontua o doutor em comunicação.
Seguindo a ideia de ser mais rotineiro na capital, outro evento também homenageia a data. A Feira Candango Geek é realizada, hoje e amanhã, das 16h às 21h30, na Ludoteca, 208 sul. "Esse tipo de feira ajuda a criar espaço para produtores e artistas independentes, movimenta e fortalece a produção local, além de possibilitar trocas e convergências de criadores ligados à cultura pop e geek", analisa Renata Siquieroli, dentista, mãe e artesã, apaixonada por quadrinhos, filmes e séries. Ela é uma das organizadoras da feira que terá ainda a participação de artistas da cena dos quadrinhos do DF e com o lançamento exclusivo da HQ Na luz, de Verônica Saiki.
A cena candanga
Com autores muito relevantes no cenário local e muitos artistas que exportaram os próprios quadrinhos nacionalmente, Brasília não é uma potência em uma visão macro quando se diz a respeito da produção de HQs, mas conta com uma lista diversa de talentos. "A cena de quadrinhos brasilienses é diversa e caracterizada por uma produção independente muito forte, ligada a cultura do Zine, dos impressos undergrounds e das feiras alternativas" observa Renata Rinaldi, Ilustradora, quadrinista formada em artes visuais pela UnB e ativista no Instituto Glória.
A artista reconhecida na produção de mangás como Labirinto em linha reta, O jardim e The invisible thread também luta pelo espaço feminino e de minorias na cena, sendo uma das organizadoras do Shoujo Bomb, a primeira coletânea independente de shoujo mangá brasileira feita por mulheres. "É necessário que tenhamos lugar de fala e inserções dentro do circuito, a preocupação com acesso de grupos e de sua inclusão na economia criativa", afirma a autora que atualmente trabalha no título Menu, uma antologia de LGBTQIPA de quatro histórias em parceria com os artistas Jujuqui, Vini Meneghin e Luísa Cardoso. "É preciso romper estruturas que favorecem uma "visibilidade de fachada". Precisamos difundir aberturas de mercado para que os grupos minoritários venham a se fazer presentes entre quem produz, e isso se dá com esforço ativo, por exemplo, em visibilizar mulheres, convidar mulheres, empregar mulheres, formar mulheres entre outros", completa.
Em uma outra visão sobre o movimento dos quadrinhos de Brasília, Lucas Gehre, criador da série de quadrinhos diários Quadradinhas, que já soma mais de 1.500 tiras e um dos editores do projeto SAMBA, antologia e selo de quadrinhos mantido entre 2008 e 2013, acredita que a produção de HQs de Brasília vinha aumentando mas tomou baque. "Acho que apesar de na última década ter aumentado o número de autores ativos, e também de eventos e oportunidades de distribuição e venda dos quadrinhos, assim como de encontros entre autores, nos últimos dois anos tudo ficou desarticulado com a pandemia e a situação política do Brasil", explica. "Brasília ainda é, assim como qualquer centro urbano fora do eixo Rio-São Paulo, muito incipiente e um local com suas limitações", acrescenta. Porém, o autor vê potencial. "Acredito que se a cidade tivesse um evento nacional dedicado aos quadrinhos, em um futuro próximo quando encontros forem permitidos, poderia ganhar maior importância no cenário nacional assim como fomentar mais ainda a cena local", conclui Gehre, que atualmente, entre os vários projetos alinhados, pensa no terceiro volume compilando as Quadradinhas em livro.
O artista Gabriel Góes faz uma análise mais filosófica sobre a atual cena da capital. Ele, que é autor de da revista Wunder Toy Comics e co-autor dos projetos independentes Samba, Kowalski, Capitão América e Seus Amigos e F A B I O, acredita que os talentos são inegáveis, mas a falta de difusão deixa o DF cheio de joias escondidas. "Sinto que autores brasilienses, por falta de reverberação da mídia e público, acabam se voltando para dentro e o resultado é uma cena pequena de grandes autores", crê Góes, que já trabalhou como ilustrador do Correio. "São poucos autores, mas individualmente gigantescos universos autocontidos, pesquisadores ferrenhos, revolucionários da linguagem com fortes tendências iconoclastas, é como se cada quadrinista em Brasília fosse sua própria cena, seu maior entusiasta, divulgador, consumidor e maior crítico", completa.
Magia do traço
"Muito se fala como as HQs são importantes para a divulgação e incentivo à literatura. Mas pouco se fala como ela também é incentivo às artes plásticas, ao cinema e até ao teatro. Quadrinhos são uma arte em si, e que articula várias outras formas de sensibilidade. Incentivar os quadrinhos hoje é incentivar a cultura como um todo", afirma Raimundo Lima. Para o pesquisador, este tipo de leitura muda a forma como se enxerga o mundo. " Quem não lê HQ perde a oportunidade de experimentar uma outra imagem do mundo. Uma experiência de fragmentação e montagem com um potencial ainda não totalmente explorado e que, em certos pontos, se aproxima de formas de subjetivação com similaridades com o pensamento humano", complementa.
Para âmbito brasileiro, Ciro Inácio Marcondes, professor e pesquisador em Comunicação da Universidade Católica de Brasília e fundador do Raio Laser, aponta uma importância histórica. "As histórias em quadrinhos têm atuado junto com a cultura brasileira, da primeira infância até os mais urgentes assuntos nacionais, desde a fundação deste tipo de literatura, no século 19, até os mais inteligentes artistas da contemporaneidade", explica o especialista, que citou grandes marcos dessa arte na história do país como a Revista Tico-Tico, O Pasquim e a própria Turma da Mônica. "É preciso incentivar os quadrinhos pelo mesmo motivo que é imprescindível incentivar a literatura, o cinema, a música e todas as formas de expressão. Porque ajuda a gente a compreender nossa cultura, nossa própria existência e nos coloca em contato com pessoas com diferentes visões de mundo", adiciona.
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Entendendo o Dia do Quadrinho Nacional
Para entender as comemorações é necessário saber a origem da data. O Dia do Quadrinho Nacional é uma homenagem ao que acredita-se que foi a primeira história em quadrinhos publicada no Brasil. No dia 30 de janeiro de 1869, o ítalo-brasileiro Angelo Agostini assinou a série de histórias ilustradas intituladas As aventuras de Nhô Quim ou impressões de uma viagem à corte na revista A vida Fluminense. A publicação foi a matriz do que se tornariam os quadrinhos no Brasil.
"Como o Nhô Quim era um personagem de ficção em uma narrativa gráfica seriada, convencionou-se que este foi o primeiro personagem do quadrinho brasileiro", explica Ciro Inácio Marcondes. Segundo o especialista, Angelo Agostini era um jornalista, ilustrador, caricaturista e quadrinista, além de crítico ferrenho do regime escravocrata e monarquista que foi pioneiro nesse tipo de arte no Brasil com personagens como Nhô Quim e posteriormente com o aventuresco Zé Caipora. "Foi um dos primeiros não só de caráter brasileiro, mas mundial a fazer um determinado tipo de história em quadrinhos", aponta o professor.