Crítica

Confira crítica do drama cômico 'A noite do triunfo', estreia da telona

Selecionado para a noite de abertura do Festival de Cannes, 'A noite do triunfo´ revela os bastidores de uma história real que envolveu encarcerados e sucessivas apresentações de teatro

Ricardo Daehn
postado em 23/04/2022 09:21 / atualizado em 22/04/2022 17:40
A noite do triunfo: a difícil arte do trabalho coletivo -  (crédito: Imovision/Divulgação)
A noite do triunfo: a difícil arte do trabalho coletivo - (crédito: Imovision/Divulgação)

Crítica // A noite do triunfo ####

Saída à francesa  

Há 70 anos uma espera singular e interminável revitaliza espíritos da plateia mundial do teatro: quando da escrita do irlandês Samuel Beckett, ao criar o texto de Esperando Godot, o cenário globalizado foi transformado pela criatividade e profundidade do texto. No embalo deste furacão, o personagem central do mais novo filme de Emmanuel Courcol puxa o fio da meada para injetar propósitos e um espírito de libertação numa galeria de tipos entregues ao cárcere. O que dá um colorido especial ao filme é o fato de tomar por base a realidade do diretor de teatro sueco Jan Jönson que, usou o palco do Royal Dramatic Theatre (em Estocolmo), em meados dos anos de 1980, com a finalidade de reabilitar prisioneiros de Kumla (na maior penitenciária sueca). O resultado modulou risos, culpa e choro. Na adaptação para a telona, a França abraça o enredo. 

No filme, que abriu o Festival de Cannes, em 2020, e foi consagrado como a melhor comédia, na representação do European Film Awards, o personagem principal é Étinne (Kad Merad, que coleciona participações em longas sensíveis como A voz do coração e O pequeno Nicolau). Artista com muito pendor para a mediocridade, ele abraça o, a princípio, desgovernado, propósito de transformar o leque de opções de detentos, num cotidiano em que, claro, todos idealizam a liberdade. O aval para a empreitada vem do amigo Stéphane (Laurent Stocker), que dirige a programação de um teatro menor, e da diretora do presídio Ariane (Marina Hands).

O processo de conquista da futura trupe que encenará Beckett impulsiona a afinidade espontânea entre cada um dos personagens e o espectador. Pouco importa o passado de cada um — drama e a jornada de saída se fazem coletivos. Pierre Lottin (de Graças a Deus, dirigido por François Ozon) assume o papel de Jordan, um rapaz que luta contra a afasia (uma barreira clara para a atuação), Wabinlé Nabié desenvolve, com um impressionante realismo, a composição de Moussa, completamente enquadrado na seriedade pertinente a um contraventor imigrante, e Saïd Benchnafa desenvolve à perfeição Nabil, vital para a formulação do grupo. O sucesso do grupo é descrito, passo a passo, rumo ao inesperado.

A grande sagacidade do diretor Emmanuel Courcol vem de nunca se render ao convencional e da capacidade de afiar o trabalho de grupo do elenco. No grupo, pesa a sensação de uma intimidade construída e a falta de rédeas de todos, diante do gostinho do sucesso — tudo soa a natural, em cena. Entre muitos talentos, Sofian Khammer se sobressai, com a composição de Kamel, ardiloso e convencido ator saído da cadeia, tal qual os outros. No segundo filme — depois de Cessar fogo (a estreia, em 2017) —, Emmanuel Courcol, que já apostou na reabilitação de personagens da Primeira Guerra (via encantos pela África), consagra a intimidade entre vida e arte e a retroalimentação entre ambos elementos.

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