Artesanato

Artesão pernambucano reproduz obras de arte em renda renascença

Rafael Leite faz releituras de telas famosas, como o 'Abaporu', de Tarsila do Amaral, utilizando a renda renascença como matéria prima; o artista visitará Brasília em maio

Aline Gouveia*
Samuel Calado
postado em 29/04/2022 21:49 / atualizado em 29/04/2022 21:56
Até se reconectar com a sua identidade artística, Rafael precisou vencer tabus, inclusive para desconstruir o preconceito sobre homens fazendo renda -  (crédito: Emanuel Macedo Silva)
Até se reconectar com a sua identidade artística, Rafael precisou vencer tabus, inclusive para desconstruir o preconceito sobre homens fazendo renda - (crédito: Emanuel Macedo Silva)

A renda está no sangue do pernambucano Rafael Leite, que desde pequeno assistia a avó, a aposentada Maria do Céu Nunes Leite, 68 anos, alinhavar fitas para o preparo da renda renascença (um tipo de renda com agulha caracterizada pelo uso do lacê). A tradição, transmitida de geração em geração, foi ressignificada pelo jovem artesão, que com apenas 23 anos de idade, tem se destacado por fazer releituras de obras de arte utilizando o bordado como matéria prima. O jovem que mora na cidade de Poção, a “Capital da Renascença”, no Agreste de Pernambuco, visitará Brasília para participar do 15º Salão de Artesanato Raízes Brasileiras. A feira acontece entre os dias 4 e 8 de maio, na arena de eventos do Shopping Pátio Brasil.

Até se reconectar com a sua identidade artística, Rafael precisou vencer tabus, inclusive para desconstruir o preconceito sobre homens fazendo renda. “Antigamente, enquanto as mulheres aprendiam os bordados, os homens saiam para plantar na roça. Até hoje, algumas pessoas acham estranho ver homens bordando. Eu, por exemplo, tinha vergonha de mostrar que eu bordava e quando chegavam as visitas lá em casa, eu escondia o rolo de bordado para ninguém ver. Tinha muito medo do que as pessoas poderiam falar”, revelou.

“Toda vez que eu chegava na casa de Maria do Céu, Rafael corria. Achava estranho aquilo até perceber que ele se escondia porque tinha vergonha de mostrar que fazia renda. Um dia eu cheguei até ele e perguntei se ele fazia renascença e ele respondeu que sim. Eu disse a ele que não precisava se esconder. Não é errado fazer a renascença. Pecado é fazer coisas erradas”, disse a rendeira e amiga da família, Terezinha Nunes, que é fundadora da Escola da Renascença de Poção e uma das principais incentivadoras da perpetuação da tradição.

Em 2021, o jovem artesão foi convidado por Terezinha a participar do projeto “Mãos que Criam”, realizado pela Secretaria do Trabalho, Emprego e Qualificação de Pernambuco. A iniciativa tem o objetivo de preparar os artesãos para o mercado empreendedor. “Foi durante as aulas que eu tive a oportunidade de aprender mais sobre a renda e expandir meus conhecimentos. Foi lá onde eu encontrei o meu caminho e achei espaço para realizar o sonho de inovar com as releituras. Como minha família depende da renda eu tinha medo de arriscar. Qualquer linha perdida era prejuízo para o rendimento aqui de casa. No projeto eu aprendi a não ter medo de arriscar”.

O secretário do Trabalho, Emprego e Qualificação de Pernambuco e presidente do Fórum Nacional de Secretarias Estaduais do Trabalho (Fonset), Alberes Lopes, conheceu o trabalho do Rafael em uma das visitas à cidade. Para ele, o jovem é um talento do estado e tem um caminho promissor pela frente. "Rafael é uma inspiração para outros jovens, para que não deixem morrer a nossa cultura. Ele representa bem a nova geração de artesãos que não dependem mais de atravessadores para exibir e comercializar as obras. Geração que sabe empreender e atribuir valor àquilo que produzem com tanta dedicação”, destaca.

Entre pontos e fios, o jovem decidiu se desafiar em fazer releituras de obras clássicas brasileiras utilizando como obra prima a renda renascença. A primeira obra escolhida por Rafael foi a tela Abaporu, de Tarsila do Amaral. Ela foi produzida como trabalho de conclusão do curso. Foram três semanas de produção desde a elaboração do desenho até a emolduração da obra. De lá para cá, o jovem já fez mais de 30 releituras.

Rafael sente que tem uma missão a cumprir. O jovem sonha em poder contribuir para que o interesse na renda renascença permaneça vivo e a prática não seja esquecida, visto que a maioria das pessoas rendeiras são mais velhas e ainda há pouca iniciativa dos jovens. "Minha mãe construiu a casa dela com a renascença, trabalhava dia e noite. Mas hoje em dia, há muitas reclamações das rendeiras, porque você passa de 1 a 2 semanas para desmanchar um novelo de linha e ganhar 30 reais", afirma. Além disso, Rafael também deseja expor a arte em museus. Para cada quadro produzido e vendido ele entrega um certificado de autenticidade da obra.

  • Rafael Leite Emanuel Macedo Silva
  • Rafael Leite Emanuel Macedo Silva
  • Rafael Leite Emanuel Macedo Silva
  • Rafael Leite Emanuel Macedo Silva

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação