Música

Em novo disco, Johnny Hooker compara Recife dos anos 1960 com Brasil atual

Apaixonado pelos gêneros populares, como o brega, o cantor pernambucano Johnny Hooker traçou, em seu novo trabalho, um paralelo entre o Recife dos anos 1960 e o Brasil atual

Naum Giló*
postado em 14/06/2022 06:00 / atualizado em 14/06/2022 10:14
'Orgia
'Orgia", novo álbum de Johnny Hooker, faz um paralelo entre o Brasil e e o Recife dos anos 1960, relatado em livro - (crédito: Foto: Carlos Salles )

Johnny Hooker retorna ao cenário musical após cinco anos do seu último projeto com canções inéditas, o álbum Coração, bem representado pelos hits Caetano Veloso e Flutua, parceria com Liniker que se tornou um hino de luta pelo amor e contra o ódio à comunidade LGBTQIA . Agora, o disco Orgia chega traçando um paralelo entre o Recife dos anos 1960 e o Brasil dos tempos atuais. A inspiração do trabalho vem do livro Orgia — diários de Tulio Carella, escrito pelo dramaturgo e roteirista argentino que desembarcou na capital pernambucana em uma das décadas mais turbulentas da história moderna.

Com poucas edições, a rara publicação relata as aventuras sexuais pelas ruas e cabarés da cidade portuária vividas por Carella. Poucos anos depois de chegar ao Recife, o artista se vê obrigado a voltar a sua terra natal, extraditado pelo regime ditatorial recém-instaurado no Brasil. "Nesse livro, eu encontro um Recife parecido com o de hoje: conservador e religioso, mas também rico culturalmente", descreve o pernambucano. "Recife tem talento cosmopolita, mas é naturalmente provinciana, embora tenhamos uma arte vanguardista ao mesmo tempo que ligada à cultura tradicional."

Os singles divulgados antes do lançamento do álbum, Amante de aluguel, Larga esse boy e Cuba deram pistas do que esperar do trabalho completo, além de ratificar a heterogeneidade típica do som de Johnny Hooker e tão natural no cancioneiro nacional. "Meu trabalho sempre teve muito samba, blues, brega… Agora, há um flerte com o house eletrônico e mistura de piseiro com brega. São coisas que vão surgindo na música brasileira e eu vou incorporando, porque eu sou apaixonado pelos gêneros populares. É uma 'orgia' de ritmos."

Em Amante de aluguel, primeira faixa do álbum, a carnalidade pulsa no relato de uma transa em que um se doou mais do que o outro. "Amante de aluguel / me prometeu o céu nessa cama de motel / amante de aluguel / que você usa / e manda embora", diz um trecho da canção com o pé mais fincado no pop. Ao lado do conterrâneo Jáder, Johnny canta Larga esse boy, um romance proibido sustentado pelo prazer, embalado pelas sonoridades do brega e do piseiro. Com direito a versão em espanhol, Cuba trata de paixão, com a sensualidade que o público de Johnny conhece bem.

Orgia foi trabalhado durante quatro anos e é assinado por produtores como Arthur Marques, DJ Thai, Felipe Puperi, João Inácio da Silva, Barro e Guilherme Assis. Nas letras, se alternam composições do próprio Hooker e outras recebidas como presente, escritas especialmente para o disco, como Maré, de Juliano Holanda, em que o cantor divide os vocais com o capixaba Silva. Nossa Senhora da encruzilhada foi escrita por Filipe Catto, responsável pela identidade visual do projeto, junto ao fotógrafo Carlos Salles e o multiartista Alma Negrot.

Crítica à indústria

A pandemia já deu uma boa abrandada, permitindo que o setor cultural, o mais atingido pelas medidas de restrição, volte, aos poucos, às atividades normalmente. Mas esse processo de retomada não é o mesmo para todos. Para os artistas auto-geridos (como Johnny Hooker prefere chamar os independentes, por ainda estarem sujeitos às demandas do mercado), o retorno aos trabalhos tem revelado desafios maiores para continuar vivendo da arte. "Nós, os auto-geridos, paramos durante a pandemia, mas a grande indústria não. Parece que as portas se fecharam para a gente. A indústria do agronegócio e o sertanejo tomaram conta. E vai ser só isso? O Brasil tem uma das músicas mais diversas do planeta", questiona. "A pandemia piorou a situação para os artistas auto-geridos. Quem era pequeno ou médio foi engolido pelos grandes."

Mês passado, Hooker foi ao Twitter fazer um desabafo depois do baixo desempenho nas plataformas do single Cuba, recém-divulgado à época. Na publicação, ele ressalta que um artista sem apoio precisa de demanda orgânica para sobreviver. "Não há mais demanda pelo meu trabalho. Se é que houve um esboço de alguma algum dia. É preciso saber a hora de se retirar", lamentou o cantor na rede social.

Ao Correio, Johnny afirmou que a desistência da carreira musical ainda está em cogitação após os trabalhos com o Orgia. Ele contou que o desabafo na rede social foi um apelo e que uma eventual pausa serviria para investir em outras linguagens artísticas. O pernambucano é ator, com participação na novela Geração Brasil da TV Globo, e tem experiência com a direção de seus próprios clipes. Ele continuou as críticas ao cenário atual da música: "As pessoas acham que consomem o que gostam e escolheram. Mas a realidade é que elas foram bombardeadas por aquele artista, que, geralmente, é munido de maiores recursos financeiros".

Johnny Hooker, devido às suas canções e à sua própria persona, acabou se tornando um dos representantes da ala artística LGBTQIA , algo que não é um problema necessariamente, mas que tem gerado um rótulo. "A gente não está pedindo 1º lugar, mas um lugar. E que enxerguem a gente como um artista da sigla, mas um artista, simplesmente", desabafa. "Já fui barrado em lugares por causa desse rótulo. Acreditei que a bandeira que levantamos fosse algo que ampliaria nossas possibilidades, mas acabou ficando mais segmentado."

*Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco

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