Crítica // Shortbus ###
Justin Bond and the Hungry March Band traz, já no desfecho do longa Shortbus, crava uma música que encapsula o grosso do espírito libertador do filme assinado por John Cameron Mitchell. "Todo mundo alcança, ao final", reforça a letra incorporada ao longa que celebra a capacidade de os personagens serem contemplados pelo prazer do sexo. A fita torna a ser cultuada na plataforma de streaming da Reserva Imovision, depois de tachada como uma das mais arejadas após o 11 de Setembro de 2001. Originalmente, o longa ganhou o mercado há 16 anos. Num dado momento, o enredo — que se passa numa espécie de bordel de matizes solares e que homenageia a resistência da arte — celebra a avançada literatura de Gertrude Stein, amiga dos vanguardistas Picasso e Ernest Hemingway, que é colocada no centro da discussão, como indicativo de uma pretensa intelectualização da produção. Na verdade, se trata apenas de mais sátira embutida no roteiro.
Com processo muito único de criação — 500 pessoas foram selecionadas e, uma parcela integrada a uma festa homônima (ao longa) promovida, mensalmente, pelo diretor do filme —, Shortbus começa acompanhando uma "conselheira de casais", a introvertida Sofia (Sook-Yin Lee), com ascendência oriental e que é incapaz de atingir o orgasmo. Descartado julgamento, Sofia investe nas visitas ao clube de sexo que resultam num filme extremamente gráfico, desinteressado em depravação, até por tratar de desejos, afinidades múltiplas e sexo consentido.
Enquanto internaliza demais suas questões — com direito a recôndito brinquedinho sexual (usado em público) —, Sofia desbrava percursos de múltiplos personagens. Nisso, despontam o garoto de programa interiorano James (Paul Dawson), sempre ativo no relacionamento com o algo infantilizado Jamie (P.J. DeBoy); Ceth (Jay Brannan), candidato a trisal e a dominatrix Severin (Lindsay Beamish), nunca emotiva. No meio de tantos voyeurs, surpreende a presença de um idoso ex-prefeito de Nova York, a postos para as diversões carnais. No flanco da reconciliação, Rob (Raphael Barker), marido da terapeuta, bem que se esforça para chamar a atenção.
Diretor e ator que, com Hedwig — Rock, amor e traição (2001), assumiu o papel de uma cantora trans, e que ainda teve a versatilidade de conduzir o dramalhão com Nicole Kidman Reencontrando a felicidade (2010), Mitchell demonstra muita habilidade e ousadia, em Shortbus, com o qual empodera personagens submissos, decifra problemáticos (como o tipo suicida da trama) e ainda arranja tempo para satirizar valores conservadores norte-americanos, cada vez mais risíveis e que são esmagados com a icônica cena de sexo movida ao som do hino ianque.
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