Cinema

Cine Brasília ficará fechado por 60 dias para reforma

O Correio ouviu cineastas e frequentadores sobre as perspectivas da sala de exibição, que está fechada para reforma e terá novo modelo de gestão

O Cine Brasília permanecerá fechado por 60 dias para reformas e espera de 
nova gestão -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
O Cine Brasília permanecerá fechado por 60 dias para reformas e espera de nova gestão - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
postado em 06/02/2024 05:00

O Cine Brasília vai passar por mudanças em 2024. De restaurações a novas cogestões, a sala tem o futuro aberto a partir do dia 7 de fevereiro deste ano. Com previsão de novos chamamentos para organizações da sociedade civil (OSC), uma licitação para obra e novos formatos de contrato de gestão, o Cine Brasília inaugura uma novo modelo de gestão.

A gestão do Cine Brasília funciona de forma compartilhada entre a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC/DF) e uma organização da sociedade civil. De julho de 2022 a 7 de fevereiro deste ano, a direção está sob comando da OSC Box Cultural — entidade com mais de 30 anos de atuação na área cultural — com direção geral de Sara Rocha. O Festival de Brasília do cinema brasileiro também tem o mesmo formato, a diferença é que a responsável é OSC Amigos do Futuro, que se despediu do evento após a realização da edição de 2023.

É certo que a sala de exibições mais tradicional da cidade ficará parada por, no mínimo, 60 dias. Entre a necessidade de restaurações e o tempo para as burocracias dos chamamentos e licitações, é provável que o Cine volte a funcionar apenas em abril. No entanto, há um planejamento em andamento para o  palco do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Ao Correio, o secretário de cultura e economia criativa do DF, Claudio Abrantes, afirmou que este momento não será apenas de mudanças na gestão e no espaço físico do cinema, mas na mentalidade com que o Cine Brasília será tratado daqui em diante. "A nossa intenção é fazer contratos mais longos, de três anos, para levar pelo menos até o fim do governo Ibaneis", informa o Secretário. "Para mim, os contratos têm que ser mais longos, para que a OSC possa se planejar. Até na contratação de profissionais e como será o planejamento a partir do momento que assume a cogestão", acrescenta.

Claudio Abrantes acredita em algo ainda mais idealizado. "O ideal é a gente ter contratos de cinco anos, como já acontece em outros estados". O foco da gestão dele é aumentar o investimento, que será diluído pelos anos. A proposta do Festival de Cinema, por exemplo, é passar de pouco mais de R$ 2 milhões de investimento para uma edição, para 9 milhões divididos entre as próximas três. "Talvez seja o nosso primeiro teste, seja um chamamento de três anos, que aí com certeza levarei até o fim deste governo", pontua.

O secretário ressalta que a intenção é de que tudo seja resolvido o mais rápido o possível. "Ainda em março eu estou trabalhando para liberar recurso para lançar já o chamamento da instituição que vai gerir o festival de cinema de 2024, que eu desejo trazer para setembro. É um desejo pessoal", antecipa.

Busca de autonomia

Um dos principais pontos a ser avaliado e melhorado é o campo da acessibilidade. A gestão atual  adquiriu tablets com fones e aplicativos de libras e audiodescrição para deficientes visuais e auditivos, além do reposicionamento das poltronas para atender ao público cadeirante. Paulo Lafayette, deficiente visual integrante do conselho consultivo do cinema, destaca: "Nós conseguimos implantar algumas situações que eu acredito fundamentais. Hoje, quem vai ao Cine Brasília tem autonomia."

No entanto, a última edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), realizada em dezembro do ano passado no Cine Brasília, deixou a desejar nesse aspecto. No dia do encerramento, um grupo de cineastas com deficiência discursou criticando a falta de acessibilidade do evento. Segundo eles, nenhuma apresentação teve suporte em libras, 49% dos filmes foram exibidos sem legendas descritivas; e 26.7%, sem audiodescrição.

Um dos prejudicados foi, inclusive, Paulo Lafayette, que não compareceu a esta 56° edição pela falta de acessibilidade. Ele conta que em 2022,  trabalhou no festival, em que, nas palavras dele: "tinha tudo que se pede". "No ano passado, em 2023, isso já não foi mantido. Acredito que faltou um diálogo", comenta.

Fernando Borges, presidente da OSC Amigos do Futuro — organizadora do festival —, explica que essa situação é resultado do curto prazo para preparar o evento. O atraso no lançamento do edital deixou cerca de menos de 45 dias para seleção dos filmes. "O festival foi realizado em tempo recorde", enfatiza. "Nós, enquanto sociedade civil, temos que pedir que o edital saia ainda no primeiro trimestre do ano para que os processos se dêem sem pressa."

Com o cronograma da edição apertado, a seleção dos filmes do festival foi concluída a 10 dias do início do evento. Títulos enviados à organização já acompanhados de acessibilidade permitiram que fossem legendados e gerado audiodescrição de, pelo menos, produções da Mostra Competitiva Nacional. Segundo Fernando, para disponibilizar os arquivos de acessibilidade para os 52 filmes exibidos, o fornecedor precisaria de, no mínimo, 30 dias. "O que nos faz retornar a necessidade do rito do Festival de Brasília, na verdade, nunca poder parar. Uma edição termina e a outra, imediatamente, deve começar", alerta.

O atraso do edital não prejudicou apenas a acessibilidade, mas toda a organização do festival, com sessões canceladas e programação desorganizada. A própria OSC Box Cultural não se candidatou a assumir o FBCB, pelo curto prazo para prepará-lo. "Acho que o festival não mereceu as condições com que ele foi realizado, foi uma edição difícil. Enquanto potência de realização de um acontecimento cinematográfico importante brasileiro, ele esteve muitíssimo aquém do que  pode ser e do que tem condições para ser", opina Sara Rocha, diretora-geral do Cine Brasília.

Cine Brasília do futuro

O Cine Brasília sempre foi um importante ponto cultural de Brasília, no qual o cinema tem espaço para se expressar da forma mais independente. Contudo, ainda falta um longo trajeto para chegar ao ideal, ou ao potencial que o cinema tem.

Durante o mandato do Box Cultural, a OSC efetivou uma programação regular, diversa e de qualidade, com filmes independentes, fugindo do "mainstreaming" e incluindo lançamentos de produções nacionais e internacionais. Esse é o caminho que Rafael Ramagem, estudante de audiovisual da UnB e frequentador do Cine Brasília, espera que o cinema siga. "Que eles continuem fazendo isso, mas talvez com mais força, mais liberdade de buscar esses filmes diferentes. Uma programação mais assertiva, que não tenha medo de colocar algo que não vai ser todo mundo que vai gostar", afirma.

Segundo a diretora-geral Sara Rocha, esse trabalho foi progressivo, partindo de um ponto no qual havia um cinema praticamente fechado e desfasado pós-pandemia, para algo funcional e atual, procurado pelo público.O estudante de audiovisual Otávio Mendonça Costa ratifica a avaliação de Sara Rocha: "O Cine Brasília se mostrou mais acessível e mais popular nesses últimos dois anos. Acho que o Cine Brasília do futuro é o que a gente já tem, que a gente precisa manter e preservar. Foi um crescimento muito rápido que o Cine Brasília apresentou", opina  Otávio  Costa.

Além de reconquistar os antigos frequentadores, a gestão modernizou o atendimento para atrair novos públicos, com a venda de ingressos também de forma virtual, pelo site Ingresso.com. Eles também estabeleceram parcerias com a UNB e com IFB, para que alunos estudantes de cinema tenham entrada gratuita. "Isso é importante para a nossa formação, tanto de linguagem quanto prática. Estar nesse local do cinema, com tela gigante, sala escura, e ter isso em qualquer momento, totalmente gratuito, é ótimo, é lindo. Espero que isso continue", acrescenta Rafael Ramagem.

O futuro do cinema gira em torno de como ele conseguirá continuar atingindo o público da capital. "Eu espero que o Cine Brasília siga a sua vocação de espaço público voltado para o cinema de arte, brasileiro e mundial, e dê cada vez mais destaque para a produção local, com preços populares e ações gratuitas para os públicos que ainda não frequentam salas de cinema", pede o cineasta René Sampaio, que lembra com carinho de quando ele subiu ao importante palco. "Tanto Eduardo e Mônica quanto Faroeste Caboclo tiveram sessões incríveis ali e foi com imenso orgulho de ser um brasiliense que vi essa sala tão importante ficar lotada nas exibições dos meus filmes. Como cineasta apaixonado pela minha Brasília, desejo que essa seja eternamente a tela principal do melhor festival do Brasil", lembra.

Para o jovem diretor e roteirista Emanuel Lavor, que recentemente estreou o curta As miçangas na telona do Cine, os primeiros passos foram corretos, basta continuar o processo. "Acho que o primeiro de tudo é manter o trabalho de curadoria eclético que teve este ano. Concederam espaço a vários filmes brasileiros bem independentes que não dava para encontrar em quase nenhum lugar, mas dava para encontrar sempre no Cine Brasília", analisa. "O olhar para o curta-metragem como abertura para filmes que têm o interesse do público maior também é um movimento interessante de fortalecimento", elogia o cineasta em complemento. Emanuel apenas pede para que a valorização da sala seja ainda mais um foco. "Vale tentar aumentar um pouco a janela de exibição dos filmes brasileiros, para ficarem mais do que só uma semana em cartaz".

*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação