O artista Antonio Roseno de Lima costumava explicar que fazia arte para não ficar doente. Analfabeto, autodidata e morador de uma favela na Campinas (São Paulo) dos anos 1960, o pintor fazia parte de uma classe de artistas que a história da arte costuma classificar como bruto ou naif e, eventualmente, abraça como mente genial e pura. Foi o que aconteceu com Roseno, cujas obras podem ser vistas na exposição A.R.L., vida e obra, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e com curadoria de Geraldo Porto.
Dividida em seis seções, a mostra reúne obras produzidas em diversas fases e faz um panorama bastante completo da produção do artista, que nasceu em 1926 e morreu em 1998. "A exposição tem várias fases e várias técnicas", avisa Geraldo Porto. Ele conheceu Roseno no final da década de 1980, depois de se impressionar com uma pintura do artista em uma exposição coletiva. "Ele era de origem muito humilde, a cultura dele era aquela cultura básica de quem mora na roça, e não tinha escolaridade", lembra. "Ele trabalhava de maneira muito primitiva, sem condição. Não tinha luz elétrica no barraco, nem água encanada. Ele pintava à luz de vela. Depois, quando morreu, a favela tinha sido urbanizada e a casa era muito boa."
Roseno faz parte de uma categoria de artistas plásticos que nem sempre teve lugar de destaque na história da arte. "Os franceses criaram o conceito de arte bruta para abrigar pessoas que trabalhavam com arte, mas estavam fora do circuito artístico, ou moravam em hospícios, hospitais psiquiátricos, prisões. Brutos porque não eram lapidados", explica Geraldo, que fez a primeira exposição individual do artista em 1991, na Casa Triângulo, em São Paulo. Uma reportagem de um canal alemão acabou veiculada durante a Documenta de Kassel, o que chamou a atenção para a obra do artista, que também teve a exposição recomendada por críticos que escreviam em jornais nacionais.
Os temas e cores tratados por Roseno faziam parte de seu cotidiano e do universo que o cercava. "A obra do Roseno, ele foi inventando", acredita o curador. No começo, ele tentou a fotografia. Chegou a fazer um curso rápido, comprou uma máquina e saiu fotografando eventos, casamentos, fotos 3X4 para documentos. "Ele fez muita foto, mas faliu porque é caro e ele não conseguia bancar equipamento, material, os cliente nunca gostavam. Ficou desgostoso com a fotografia e começou a pintar uns quadros", conta.
Autodidata, sem formação alguma em arte, Roseno desenvolveu técnicas particulares que viabilizaram as criações. De embalagens de alimentos, ele tirava as imagens que queria reproduzir em pinturas e desenhos. Recortava latas para fazer colagens e moldes. Utilizava madeira, cartolina e materiais simples. As tintas, o curador revela, eram compradas na loja de materiais de construção da favela. "Na qual tinha tinta para pintar portão, parede. Eram cores básicas e tintas básicas. Então o resultado é diferente", avisa o curador. "Como ele não tinha nenhuma escolaridade e nenhuma formação, então o desenho dele era muito tosco. Ele mesmo fazia o chassi para colar, era um processo que ele inventou, muito rústico, primitivo e de quem não tem dinheiro para. Fiquei muito impressionado com o processo, como a pessoa cria arte."
A espontaneidade e a pureza, de acordo com o curador, são as marcas do trabalho de Roseno e os temas são sempre muito simples e diretos. "Ele ia fazendo o que dava e lembrando das coisas da infância, então tem muito boi, vaca, galinha, galo. Os elementos da obra dele são temas da vida dele: a mulher, o passarinho, a vaca, são coisas do dia a dia", diz. "É um trabalho que fala com todo mundo e acaba seduzindo até os intelectuais. Ele é pura poesia. É um encontro com a simplicidade, com a infância, com a natureza, com a inocência. É uma arte inocente."
A.R.L. Vida e Obra
De Antônio Roseno de Lima. Curador: Geraldo Porto. Visitação até 22 de março, de terça a domingo, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (CCBB - SCES Trecho 02 Lote 22).
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