Foi de um encontro em Beirute entre o artista Pascal Hachem e a galerista Karla Osório que nasceu a ideia de uma residência para criar uma obra com inspiração libanesa e brasiliense. Então veio a pandemia e, logo depois, a explosão do porto de Beirute, que levou o artista a deixar o país natal e a buscar refúgio na França. Este ano, a guerra se instalaria no país de Hachem com sucessivos ataques de Israel e todo esse conjunto de circunstâncias é fundamental para compreender a proposta da exposição Feito no céu, em cartaz na Karla Osório Galeria.
Divididas pelas três salas, as obras de Hachem foram produzidas durante uma residência de 60 dias e carregam ideias que mesclam as experiências do artista no Líbano e no Brasil. "Como sou libanês, para mim era importante me conectar com meu país sem perder a conexão com os brasileiros. O projeto começou quando tentei achar ligações entre os dois países e encontrei isso nas batalhas de pipas, muito comuns lá e aqui. E com isso faço também uma ligação com os bombardeios", explica Hachem. Durante a guerra, os ataques aéreos podem partir de drones e aviões militares. O artista faz uma associação simbólica ao incluir as pipas, objetos de brincadeiras infantis, nesse cenário.
Sobre telhas onduladas de fibrocimento, Hachem desenha pipas que se transformam em bombas, crianças que fogem de jaulas para brincar e armas que acabam no lugar de brinquedos. Sobre tecidos, bordados a partir de desenhos do artista apresentam cenas de brincadeiras marcadas por sinais de tragédia. Além dos bordados, miçangas também aparecem nas obras como fruto de uma colaboração do artista com o grupo de artesãs Encanto das Artes Recanto das Emas, mais uma tentativa de Hachem de dialogar com as tradições locais.
A escolha das telhas como suporte para uma série de desenhos foi feita com um propósito específico. O material é de uso tradicional em telhados de casas brasileiras em regiões periféricas e, ao mesmo tempo, representa um temor muito comum em regiões de guerra: o pânico de que bombas destruam tetos que acabam soterrando as vítimas. As telhas foram colocadas sobre estantes de música usadas por instrumentistas para apoiar partituras musicais. "Essa escolha vem de um conceito essencial", explica o artista. "Essas telhas captam todos os efeitos sonoros do exterior, como a chuva, ou uma manga que cai. E isso estabelece um diálogo com o lugar de onde venho. A ligação com as notas musicais está aí: o teto que emite sons e que também conta uma história de guerra."
Uma série de ferramentas utilizadas para lavrar a terra foram revestidas de miçangas. Nas duas extremidades há facões e ancinhos, numa referência a um uso impossível sem provocar uma ferida. "São peças que utilizamos para cavar buracos como covas", diz o artista. "Esses instrumentos têm duas cabeças, em um jogo duplo: a pessoa que está cavando a cova também vai ser agredida. As miçangas conferem um aspecto um pouco esquizofrênico à peça, porque dão um colorido. No Líbano, apesar de tudo que temos passado, somos alegres. O libanês é um povo alegre, mesmo em tempos sombrios", explica. Uma série de gaiolas que aprisionam bordados com partes de corpos humanos e um conjunto de rolos de tecidos que simulam os livros da antiguidade num conjunto de obras que apreendem, ao mesmo tempo, a delicadeza do olhar dirigido à tragédia e a violência de uma guerra que nunca acaba.
Feito no céu
Exposição de Pascal Hachem. Visitação até 22 de fevereiro, na Karla Osório Galeria (SMDB Conjunto 31 Lote 1B - Lago Sul). Visitação de segunda a sexta, das 9h às 18h30, e sábados, das 9h às 14h30, mediante agendamento prévio por telefone, email, DM no Instagram ou WhatsApp (61981142100)
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