Crítica

Exemplar, filme Conclave trata da inteligência emocional na fé

A magistral performance de Ralph Fiennes e o roteiro irretocável de Conclave dão solidez ao filme de Edward Berger

Ralph Fiennes (D), o coração e a mente de Conclave -  (crédito: Divulgação/Focus Features)
Ralph Fiennes (D), o coração e a mente de Conclave - (crédito: Divulgação/Focus Features)

A discussão do papel da dúvida, um elemento agregador num mundo que imponha apenas certezas, norteia o enredo de Conclave, que chega sob a realidade da fé mundial em suspenso, diante do trono da Santa Sé vago. A decisão de mais de 100 cardeais isolados, sob a liderança do destacado colega Lawrence (Ralph Fiennes, estupendo em cena), pode intervir em 60 anos de progresso dentro da realidade da Igreja Católica. Retrocessos e avanços entram em cena, à medida em que saltam "impurezas" dos mais sérios candidatos ao posto de papa: Bellini (Stanley Tucci), Tedesco (Sergio Castellitto), Adeyem (Lucian Msamati), Tremblay (John Lithgow) e o próprio Lawrence — indisposto e em dificuldades diante da obrigação das orações diárias.

A capacidade narrativa do alemão Edward Berger, antes impecável em Nada de novo no front (2022), parece ter sido superada, com a adaptação do livro de Robert Harris, que ganhou premiado roteiro adaptado de Peter Straughan. Dentro de uma cartola, com ordenação coerente, saltam lebres das mais inesperadas: alcoolismo, injustiças, suborno e uma quantidade absurda de fofocas deixam mais robusto o espanto dos espectadores, com os nervos já testados pela trilha sonora estridente a cargo de Volker Bertelmann.

Ainda que todos queiram ver "anulada" a realidade externa, concentrados apenas na Constituição Apostólica, os impasses da vida corriqueira avançam por frestas e fissuras. Crises na Igreja se mostram muito mais relevantes do aquelas do fenômeno encerrado em O código Da Vinci (blockbuster com Tom Hanks). Aspectos escassos de tolerância e a incapacidade de absorver a "variedade" no dia a dia sufocam a instituição religiosa sediada no Vaticano. Tratativas à la Big Brother Brasil e renúncias, além de cisão, e desfalque de "candidatos sérios" aquecem a trama. No fundo da mente de Lawrence, ecoa a voz do papa morto: "você é administrador; então, administre". No terreno espinhoso, ele conduz a eleição do papa, seguindo cartilha do senso comum: "Não ofender ninguém é o truque na homilia".

O personagem Bellini, com barril de ideias progressistas, entretanto, esclarece o terreno favorável à investida bélica. Atentados e explosões fazem o campo minar, colocando o "islamismo" como algo "inimigo". Questões impregnadas de racismo e nítidos desvios de conduta criam o caos e se contrapõem à noção da necessidade de atualizações dos preceitos. "A Igreja não é o passado", sentencia um dos personagens. Campanhas escancaradas de cardeais inflamam ao ponto de avançarem para difamação e inesperada insubmissão entre o corpo de diplomatas da Igreja, comumente, enxergados como "príncipes". No jogo — em que a ambição é considerada a "traça da santidade" — despontam alianças, e vem à tona que, sim, "todos (os candidatos) têm manchas". Num pape-chave, como a irmã Agnes, em breve aparição, a atriz Isabella Rossellini rouba a cena como intensa coadjuvante.

 

Ricardo Daehn
postado em 24/01/2025 17:41 / atualizado em 24/01/2025 17:45
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