
Em Todas elas, novo disco de Vanessa da Mata, a mato-grossense repele intolerâncias, protesta a favor do feminino e sai em defesa das religiões de matriz afro-brasileira. Tais posicionamentos não são surpresa para quem acompanha a cantora, que, durante a carreira, sempre advogou em prol do que acredita. O projeto, segundo a vocalista, conta a história das várias mulheres que vivem dentro dela, compondo, assim, uma artista multifacetada.
O disco surgiu logo após a saída de Vanessa do musical Clara Nunes — A tal guerreira, em que assumiu o papel de uma das maiores intérpretes brasileiras. "A peça foi um sucesso, mas eu precisava retomar minha carreira. Eu estava sentindo saudades de mim. Interpretar a Clara foi um refresco, porque eu saí de mim mesma para fazer a personagem, e foi maravilhoso. Mas, quando acabou, eu não consegui descansar, porque minha cabeça começou a jorrar minhas músicas", relata a mato-grossense.
Imediatamente, Vanessa mandou mensagem para a banda com que trabalha, os avisando da gravação de um novo disco. "Minha compositora estava sedenta de criatividade e sedenta para fazer coisas novas", confirma. Desta forma, o grosso do álbum foi feito em apenas quatro dias. "Eu acordava e compunha uma música, à tarde outra e pela noite também. Era uma enxurrada de criatividade quase que insana. Depois, a gente só complementou com uma guitarra aqui e um backing vocal ali", conta a cantora.
Ao descrever o álbum, Vanessa declara: "Todas as músicas têm uma particularidade feminina minha". "Esse álbum poderia contar a história de várias mulheres. São várias dentro dele: mulheres que compõem a minha pessoa, as minhas facetas, os meus momentos, os momentos de grandes e boas ilusões e algumas desilusões", detalha. "Todas essas figuras aí são minhas, não tem nem como disfarçar. Elas são sofridas mesmo, terrivelmente sensíveis", acrescenta a artista.
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Para ela, abrir-se de forma tão íntima com o público não é mais o desafio que era há 20 anos. "No início da minha carreira, eu sentia muita vergonha de algumas letras, como "Eu só sei quero você pertinho de mim/Dentro de mim/Em cima de mim". Eu cantava e me achava louca de falar um negócio desses", ri Vanessa, lembrando os versos da música Ilegais.
"A composição é solitária, não tem ninguém olhando para mim enquanto eu escrevo, então eu não sinto a menor vergonha. Agora, quando eu coloco a boca no microfone para cantar, eu tenho que me vestir de uma outra personagem, senão eu fico completamente sem graça. E não é essa a intenção, eu preciso apresentar aquilo com a mesma verdade que eu compus", explica. "Mas, hoje em dia, eu fico doida para apresentar minhas músicas nos shows, porque quero ver como as pessoas vão receber a mensagem", complementa.
A partir do lançamento, Vanessa entende que a música já não é mais do artista — ela se torna independente e "vai buscar moradia na casa dos outros". "As pessoas vêm contar de diferentes significados que minhas músicas têm na vida delas. Significa algo quando eu escrevo, mas para os demais, na cultura e idade dele, se transforma em outra. É surpreendente", compartilha.
"Compor e ver a música nascer é maravilhoso. Ficar burilando no estúdio que é chato, frio. Até por isso eu prefiro, nas minhas produções, gravar a banda toda ao mesmo tempo, como era na década de 1970. Aí, a música fica quente, com voracidade e intensa", aponta a cantora, que também assina a produção de Todas elas.
Parcerias
No álbum, Vanessa da Mata reúne parcerias com o músico norte-americano Robert Glasper e o vencedor do Grammy Latino Jota.pê, além de reforçar conexão musical com João Gomes, artista com quem coleciona diversas colaborações. "Eu estava quase terminando o álbum, tinha inclusive feito algumas músicas com o João, mas achei que nenhuma tinha tanto a cara do disco. Até que eu fiz o reggae (Demorou) e percebi que a voz dele traria um contraponto muito bonito", narra a cantora.
Segundo ela, é como se os dois "se conhecessem há muitos anos". "É engraçado, rola uma intimidade, mesmo sem precisar de tanta intimidade. Você olha para a pessoa e acha que já conhece ela. Ela está pura na sua frente", descreve a artista. " E, no nosso mundo, isso é muito importante, porque você não sabe quem chega de forma natural ou quem está forçando algo, como se fosse uma armadilha. Você perde a espontaneidade do dia a dia", lamenta a mato-grossense.
Outra parceria, essa fora dos estúdios, é com Jorge Farjalla, diretor do musical de Clara Nunes e agora responsável pela direção da nova turnê de Vanessa. "Ele gosta dessa dramaticidade no show, que eu adoro", pontua a cantora. "E isso é algo que eu amo na Bethânia, por exemplo. Acho que ela é a última intérprete que tivemos. A gente quase não tem intérpretes mais, nós temos cantoras. Eu não percebo mais ninguém que reflita tanto a letra, da forma que ela faz, para as pessoas", avalia.
Nova geração
Além do lançamento de Todas elas, Vanessa da Mata celebra uma segunda onda de sucesso de Amado, um dos principais sucessos da carreira. A faixa, lançada há 18 anos, viralizou no TikTok ao longo do mês de maio, embalando vídeos de momentos felizes ao som do conhecido refrão "Eu quero dançar com você". Somente na última semana, a música foi usada em cerca de 100 mil publicações na plataforma.
"A vida traz essas surpresas. Essa música tem um tema muito atual, o tempo todo você vê gente se apaixonando por pessoas impossíveis", diz Vanessa, em referência aos versos iniciais "Como pode ser gostar de alguém/E esse tal alguém não ser seu". "Ouvir Amado é como estar em Paris — você quer se apaixonar pela primeira figura que aparece, porque te remete aos romances", compara.
"Amado projeta essa sensação de intensidade no amor, de pensar naquela pessoa o dia inteiro, ficar com aquela figura na cabeça. É um inferno, mas ao mesmo tempo é gostoso e intensifica a vida. Te tira do tédio. Então, muitas vezes, a gente inventa paixões para que tudo fique melhor", afirma.
Vanessa, porém, se encontrava em uma situação totalmente diferente quando compôs o hit. "Eu era casada na época, estava ótima, com um filho, e recuperei tristezas antigas para fazer essa canção", confessa. "Mas quem é que não foi rejeitado nesta vida? Só a pessoa que teve a sorte de casar com o primeiro namorado", brinca a cantora.