
Crítica // Amores materialistas ★★★
Lá se vão três quartos de século, desde a atriz Thelma Ritter que personificou no cinema a imagem da alcoviteira que atuava nos pré-nupciais encontros de casais, em filmes como O quarto mandamento e A modelo e a casamenteira. Tirado o pó do preto e branco daquelas comédias, aderidos os valores em voga de uma colorida e agitada Nova York, a diretora sul-coreana Celine Song moderniza o tema, tendo por protagonista Lucy (Dakota Johnson, inexpressiva, como de costume). Os conselhos amorosos e a (virtual) ordenação de pares ganham ares profissionais — Lucy trabalha numa agência que bem poderia ser alardeada por um "se organizar direitinho, todo mundo casa".
Vale a lembrança do feito grande de Celine Song, com o sensível longa Vidas passadas, pelo qual foi finalista (a melhor filme e roteiro) entre os selecionados para o Oscar 2024. Se naquele filme pesava o distanciamento cultural e físico entre protagonistas, agora o tema é a compatibilidade e uma ilusória felicidade — que chega toda compartimentada: na prática, todas as qualidades de pretendentes devem ser compatíveis (sem muito risco) dentro de uma lista (de formulários) bastante idealizada.
Se com o destino de Nora e Hae Sung (o casal de Vidas passadas) havia um roteiro impecável, talhado nas incertezas e num reencontro de um casal, Amores materialistas ameaça seguir a originalidade, mas desemboca nos estereótipos: Lucy descuida de si, e não demora o momento em que, ao reavivar sentimentos, esbarrar em duas possibilidades de pretendentes que implicam bruscas mudanças sociais e ainda na retomada de uma fase da vida já superada.
Harry (Pedro Pascal) traz o mundo divergente, repleto de luxos como o de viver em apartamento de US$ 12 milhões; enquanto John (Chris Evans, o Capitão América da Marvel e o ator de Entre facas e segredos) é o ator e garçom, ainda, aos 37 anos, em esquema de república juvenil, em apartamento alugado por US$ 850. Os dados estão lançados.
Para além do bom gosto da trilha sonora, que alinha diferenciadas músicas como Manhattan (Cat Power) e Dreaming (Robert Schumann), o filme de Song acerta na clareza de discurso (de personagens coadjuvantes), afiado, na capacidade de cercar questões que ferem terceiros (e pretendentes). Na agência matrimonial, vale o discurso preciso de "gostos" pessoais, e abre-se a porteira para o que não pode "ser expressado", nem na mais íntima conversa com alguém.
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À tona, chegam "limitações" para pretendentes relacionadas à altura, idade, cor, solidez financeira e condicionamento físico. Tudo encavalado no título do filme: Amores materialistas. Além da nulidade (e mecanicidade) na relação de Lucy com os homens, repare em duas presenças: John Magaro (ator de Carol e Vidas passadas), na pele de Mark P., e em Zoe Winters (de Succession), no papel de Sophie, uma esperançosa mulher que levanta temática bem atual. No fundo, a comédia se debruça no tema de se valorizar, seja entre as desesperadas casadoiras seja os lobos de plantão.
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