
Aos 37 anos, o ator, diretor e criador de conteúdo Phellipe Azevedo vive um momento de ebulição criativa. Com duas séries em alta na Netflix — Os donos do jogo e DNA do crime 2 —, participação na novela Dona de mim e dois filmes em andamento, ele é a prova viva de que talento, formação acadêmica e raízes bem firmadas podem construir uma trajetória singular. Nascido e criado no Conjunto de Favelas do Caju, zona portuária do Rio, o carioca carrega nas suas escolhas artísticas a marca da complexidade e do desejo de inverter perspectivas.
O ator, formado em ensino das artes cênicas pela Unirio e mestre em artes da cena pela UFRJ, falou ao Correio sobre seus personagens em alta, a transição entre a televisão e o streaming, e como suas origens influenciam cada passo de sua carreira.
Entre a festa e a guerra
Em Os donos do jogo, sucesso global da gigante do streaming, Phellipe vive Quindim, o presidente carismático e explosivo da escola de samba Flor de Madureira. Para construir o personagem, ele buscou uma referência clássica: Sonny Corleone, de O poderoso chefão. "Eles são a festa em pessoa, mas não só isso. Quindim tem um coração enorme, é afetuoso e um parceiro leal da prima, Mirna (Mel Maia). O que me atraiu nele foi justamente esse contraste: o carisma e o perigo andando lado a lado. O desafio é encontrar o limite entre a festa e a guerra", explica o artista, que viveu um policial militar barra pesada em Dona de mim.
Phellipe relembra uma cena marcante, um improviso que nasceu da liberdade concedida pelo diretor Heitor Dhalia. "No roteiro, estava só descrito que começava uma confusão. Mas eu pensei: 'um presidente de escola de samba não vai aceitar ser barrado fácil'. No dia, berrei: 'Aí, comunidade! O presidente de vocês tá sendo barrado do próprio camarote!'. Quando Heitor gritou 'corta', a equipe e os figurantes começaram a aplaudir. Fiquei arrepiado. Ali, eu senti que a gente estava fazendo uma série que ia marcar", comemora.
Em DNA do crime 2, outra produção de Heitor Dhalia, o personagem de Phellipe é Rivotril, ou "Rivo". "Brinco que o melhor figurino da série, sem sombra de dúvidas, é o dele", diverte-se o ator. "Ele é um bandido estiloso, mas com códigos de lealdade muito definidos."
Já no cinema, Phellipe mergulhou em um papel de grande peso emocional: Caion, o melhor amigo de Chorão no filme Se não eu, quem vai fazer você feliz?. "Foi muito mais do que um trabalho; foi um mergulho profundo em amizade e lealdade", conta. A sintonia com José Loreto, que vive o vocalista, foi imediata. "No primeiro dia de trabalho, já fomos para o bar ouvir Charlie Brown Jr. e tomar uma cerveja. As gravações pareciam que éramos uma banda de rock star de verdade."
O último dia de gravação, um show para três mil fãs, foi uma "catarse absoluta". "Parecíamos ter nos tornado rock stars. Como o próprio Zé Loreto disse, eram muitos Chorões no palco", relembra Phellipe, que também grava o longa Um Rio de Janeiro, ao lado de nomes como Regina Casé, Humberto Carrão, Drica Moraes, Enrique Diaz e Ingrid Gaigher.
Abraçando o Lado B
A atuação é apenas uma das facetas de Phellipe. Ele recentemente dirigiu, roteirizou e produziu o documentário Bando A apresenta o lado B do Grande Sertão, que inverte os papéis de uma grande produção. "É um projeto que coloca no centro as histórias do elenco de apoio — atores, modelos, drag queens — que geralmente vivem à margem da indústria", explica. "Estar dos dois lados da câmera me mostrou a responsabilidade e o poder das histórias que merecem ser o centro do nosso olhar."
Essa mesma motivação impulsiona seu projeto autoral, o curta O retorno de Ana, inspirado em suas próprias memórias da favela da Manilha, no Caju. "O filme investiga a diluição das fronteiras entre o real e a imaginação", adianta. A obra, no entanto, enfrenta obstáculos. "Estamos em busca de uma produtora para a pós-produção. É uma história que é tão nossa, mas que fala com todos sobre memória, futuro e território."
Phellipe não dissocia sua arte de suas origens. "Ser cria do Caju e ter feito mestrado me fez entender, na prática, que a arte também é território", reflete. Ele é filho de Lucimar Azevedo de Alvarenga, uma "mestra da palhaçaria". "Todo o humor que herdei e levo para meus personagens veio dela."
Sua formação como educador, adquirida no Programa de Extensão Teatro em Comunidades da Unirio, é um pilar central. "Formar novos artistas e atuar como preparador de elenco é a minha forma de devolver o que a arte me deu", ele desabafa, e revela que, atualmente, está à frente da preparação de um protagonista de uma série que promete chamar atenção. "Hoje, eu só existo artisticamente se conseguir desempenhar minhas funções como ator, diretor e educador. São papéis que se alimentam."
Futuro
Para o futuro, Phellipe sonha em dirigir um longa-metragem no Caju e, como ator, almeja personagens complexos como os de Ricardo Darin. "Sonho com a profundidade de um personagem como ele tem em Relatos selvagens, mas também adoraria explorar a comédia leve de um Brooklyn 99." E seu conselho para um jovem do Caju que queira seguir na arte é direto e sensível: "Não duvide da sua própria voz. Sua história é seu maior patrimônio."

Diversão e Arte
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