
Crítica // Valor sentimental ★★★★
O passado deslumbrante do diretor Gustav (Stellan Skarsgard), de grandes feitos em nome da sétima arte, se esmaece, à medida em que o enredo de sua vida real avança, desdobrado em Valor sentimental. Um pai ausente, um marido nada digno de nota, e um avô equivocado. À frente do longa que trata mais de família do que de cinema, o diretor norueguês Joachim Trier traz liderança para as personagens Nora (Renate Reinsve, vencedora de Cannes, como melhor atriz, há quatro anos) e Agnes (Inga Ibsdotter Lilleaas), ambas filhas de Gustave, que ainda se mostra um filho traumatizado. Nora vira o centro das atenções, por ser atriz, mas não brindar o pai com grandes emoções.
Testemunha de gerações, a mansão da família — que apresenta fissuras, tal qual a propriedade Howards End, no clássico longa de 1992 — se torna personagem, em Oslo (Noruega). Camadas de drama, como num reboco, restauram a unidade da família, no contemporâneo filme que tem uma fundamental cena de arquivo, de conteúdo relacionado à Segunda Guerra Mundial. Estabelecendo pontes de relações entre os distanciados familiares da trama, o mesmo diretor de A pior pessoa do mundo (2021), premiado há quatro anos em Cannes, cria um jogo de impessoalidade, ansiedade e confiança — sem contar da elaboração de um filme (idealizado como o canto de cisne de Gustav) dentro do filme.
Vencedor do Grand Prix do Festival de Cannes, o longa se equiparou a fitas como Close e Zona de interesse, enquanto Trier entrou para a confraria que inclui Jacques Audiard, Spike Lee e Pasolini. Para além da citação explícita a Ingmar Bergman, na fusão de rostos parecida com a de Persona (1966); Gritos e sussurros (1972), brevemente, dá as caras, pela intimidade das irmãs e pelos sofrimentos que ecoam no leito de doenças de entes.
No decorrer do enredo, a estrela de cinema Rachel Kemp (Elle Fanning) desponta como involuntária concorrente de Nora à atenção do pai, vencido pela recusa da filha de estrelar seu filme. Por sorte, o roteiro de Eskil Vogt e Trier (indicado ao Globo de Ouro, tal qual o diretor) desvia do que poderia se firmar como dramalhão.
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O elenco (todo indicado ao Globo de Ouro) é um caso à parte: Renate brilha como a atriz insegura nos palcos e na vida, enquanto Inga dosa com maestria o papel da filha que sabe mais do que deveria. Sensacional, Skarsgard é o vaidoso que descobre a finitude e traz apelo de reconciliação. No seu idealizado último filme, Gustav reconhece a fé (outro tema de Bergman) como antídoto ao desespero, e, no ato de rezar, entrega, no fundo, um pedido de ajuda.
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