Crítica

Odisseia à eternidade em novo filme de Damien Chazelle

Filme dirigido pelo premiado Damien Chazelle celebra, com exuberância feliniana, a arte do cinema em tempos de streaming

Ricardo Daehn
postado em 20/01/2023 06:46
Margot Robbie interpreta a estrela Nellie LaRoy, em Babilônia -  (crédito:  Paramount Pictures/Divulgação)
Margot Robbie interpreta a estrela Nellie LaRoy, em Babilônia - (crédito: Paramount Pictures/Divulgação)

A degeneração é a constante que move os personagens centrais de Babilônia, o mais recente filme de Damien Chazelle, premiado com o Oscar de direção, em 2017, por La la land. Numa jornada estonteante, o espectador testemunha o brilho e o ocaso da era específica do cinema mudo, tendo por cicerones os personagens de Brad Pitt, Margot Robbie e Diego Calva. O primeiro bebe em exagero e descarta amadas, sem menor esforço; já a personagem de Margot atende pelo apelido de menina ardente, dados todos artifícios para galgar o estrelato em Hollywood, enquanto Manny Torres (Calva) renega até mesmo a nacionalidade mexicana para se afirmar como faz-tudo na indústria do cinema.

Salpicado de terror, elementos de filmes de gângster, drama, e uma numerosa corrente de homenagens à sétima arte, Babilônia, por nada, se afasta da pretensão. Até alcançarem a "eternidade, com fantasmas" — em filmes de uso perene — os personagens do longa, estendido por três horas, terão colapsos, verão a ação efetiva de ratos, jacaré e cobra e ainda viverão uma corrente de escatologia, numa fita que potencializa registros de depravação outrora vistos no esteta Federico Fellini.

"Simples e vulgar", como descrita , Nellie LaRoy (Margot) adentra, meio sem querer, "o lugar mais mágico do mundo", como indica Jack Conrad (Pitt): os bastidores do cinema. Com passado nada invejável, Nellie, que sempre se viu sozinha, se torna estrela de cinema, num período desgovernado e de festanças, e no qual Conrad apadrinha Manny, um sujeito que se vê absorvido pelos holofotes e que não pestaneja a enunciar que "tudo mudará" na indústria do cinema, ao presenciar uma sessão de O cantor de jazz (1927), em Nova York.

Reinvenções de modelos, readequação de talentos, depravações e escândalos se avolumam no longa, com indescritíveis efeitos e camadas de diversão. O filme tem impecável fotografia do sueco Linus Sandgren (Não olhe para cima) e invejável edição de Tom Cross (o mesmo de Whiplash, também dirigido por Chazelle). Entre mote que reverbera clássicos como Cantando na chuva (1952) e Minha querida dama (1964), o longa ainda encontra espaço para discutir racismo — numa cena em que pó de cortiça queimada pode render blackface para um personagem negro.

Os meios para o controle de uma greve de artistas de cinema e uma bizarra sequência de enfrentamento de uma cobra no meio do deserto trazem muito humor para o filme de Chazelle. Também inusitadas são as presenças de Lukas Hass e de Tobey Maguire — o primeiro vivendo um suicida em potencial e o outro uma vampiresca figura da sétima arte.

Extremamente inspirado pelo cinema de Martin Scorsese (impossível não lembrar das derrocadas das personagens drogadas de Cassino) e ainda motivado por Fellini, Chazelle cria um conto forte de ambição e de defesa do cinema como arte (em tempos de streaming), no qual a figura deslumbrante de Margot Robbie se exaure, tragada por exigências de um sistema cruel.

 

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