Crítica // A ordem do tempo ★ ★ ★
Um refúgio aprazível, à beira-mar, e um ciclo de personagens, aparentemente, maduros — mas que, grosso modo, abdicam de filtros sociais e topam embarcar numa revisão de comportamentos. Neste cenário, interfere a experiente cineasta Liliana Cavani (com mais de 90 anos), capacitada a advertir para uma realidade ainda mais assustadora do que a da recente pandemia. A nova investida da consagrada diretora italiana (que, há pouco, venceu um Leão de Ouro honorário) se ampara em obra literária do físico Carlo Rovelli para sondar em torno do fim do mundo.
Na esteira da espaçada queda (milenar) de dois asteroides (um dos quais responsáveis pelo desaparecimento de dinossauros no mundo), a ameaça de um terceiro coloca todos em polvorosa. Fantasmas do passado, naturalmente, se ajustam à gramática da cineasta que, no passado, tratou de nazistas e outros exterminadores (vide O porteiro da noite e A pele). O clima instaurado no filme reforça a letra de O último dia (criada por Billy Brandão e Paulinho Moska), que cita os últimos desejos de cada ser humano — e a opção musical de diretora vem, na realidade, embalada por Dance me to end of love (com Leonard Cohen), quase aproveitada em versão integral.
Segredos, ensaios de um exame feminista, teste de fé, crises e traições habitam os sobressaltos do casal Pietro (Alessandro Gassmann) e Elsa (Claudia Gerini), que recebem covivas como Enrico (Edoardo Leo) e Paola (Ksenia Rappoport); ele, um workaholic, e ela presa a casamento sem entusiasmo. Além de Fabrizio Rongione (ator sempre associado ao cinema dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne), no papel de um psicanalista, quem brilha é Angela Molina (vista nos filmes de Luis Buñuel), na pele de resignada freira. Com a realidade em risco, Cavani, dona de fôlego estagnado, revê os dons existenciais dos personagens com discreta apropriação de cinema que vai dos derradeiros (e mais estanques) filmes de Ingmar Bergman à eterna sapiência de Charlie Chaplin (a quem ela presta homenagem).
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