Sergio Leo, jornalista
Quem desconhece Brasília só vê na cidade um meio ambiente dominado pelos políticos. Nem imagina a rica fauna local de artistas, músicos, escritores, atores, gente de toda espécie. Ignora, também, a rica natureza espalhada pelo Distrito Federal; bichos, mesmo, dos saruês que rondam restaurantes no Plano Piloto às corujas-buraqueiras, observadoras onipresentes da vida candanga das ruas.
Brasilienses antenados embrenham-se desembaraçados no Bosque das Artes, onde, além das manifestações dos espécimes mais populares, floresce a sofisticação, vista nas sessões de jazz lideradas no Infinu, na W-2, por Esdras Nogueira, ex-Móveis Coloniais de Acaju; ou a poesia, como na pintura do artista e curador Ralph Gehre, expostas na galeria Index, plantada no Setor Comercial Sul.
Mas, e onde entram na história os bichos selvagens (ou nem tanto) de Brasília? Entram por todo lado, e cada vez mais. Na minha cozinha, aliás, há uns meses, esgueirou-se um macaco-prego atraído por um cacho de bananas, que roubou, sob o alarido festivo dos amigos, no jardim lá fora. Em maio, outro desses símios entrou pela janela da copa, e me deixou só uma banana para o café da manhã.
Nesta semana, nova invasão, desta vez, pela porta aberta da área de serviço. Já se sentem em casa, os danadinhos. E lá se foi outro cacho. Ainda vi o meliante comemorar, no quintal. Felizmente, são macacos-prego os que se aproveitam minha hospitalidade distraída. Às vezes, de manhã, da mata próxima à rua de trás do condomínio, ouço ruídos estranhos, fantasmagóricos que só recentemente descobri serem de bugios, macacões de porte temível — mas pacíficos, ainda bem.
Oliveira, o canalha da redação, tem a tese de que os primatas retaliaram ao me ouvir lamentar, na varanda, as "macaquices" de Donald Trump em sua sanha tarifária contra o mundo, sob pretextos tão falsos quanto seu bronzeado e cabeleira. "Sabe como é, isso ofendeu os bichos", disse Oliveira, sempre disposto a embarcar em alguma tese estapafúrdia. "E você tem sorte em não ter chamado de vira-latas quem ainda justifica esse ataque à economia brasileira", acrescentou o patife. "Se um bando de caramelos ouve, você não conseguiria sair à rua".
O que não é brincadeira é a razão pela qual cada vez mais aparecem na área urbana os simpáticos bichinhos que antes se escondiam, seguros na mata. A destruição do Cerrado, pela exploração descontrolada ou a especulação imobiliária, tem arrasado o habitat de tucanos, araras, maritacas, saguis e companhia. E eles buscam o verde e o alimento nos quintais e jardins da cidade.
Até quando encontrarão refúgio? E ameaças maiores pairam sobre a natureza, como alertou neste Correio, o engenheiro florestal César Victor do Espírito Santo.
O projeto de lei apelidado de PL da Devastação, aprovado na Câmara dos Deputados, destrói ferramentas de regulação e controle ambiental e, segundo o especialista, pode, só no Cerrado, dobrar a devastação anual e fazer sucumbir ao desmatamento 1,3 milhão de hectares nesse bioma que abriga mais de 12 mil espécies de plantas, 800 espécies de aves, 160 de mamíferos e 150 de anfíbios.
Não adianta o presidente vetar; qualquer veto será derrubado, avisam políticos, os mesmos que, infelizmente, dão má fama a Brasília no resto do país. Os brasilienses que amam a cidade e o Entorno deveriam estar se movimentando para que evitar essa mancha, que nem Brasília nem o Brasil merecem carregar.
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