PRIVATIZAÇÃO

Com votação marcada, MP da Eletrobras põe Câmara em clima de guerra

Votação da MP que permite a venda da estatal de energia está marcada para segunda-feira. Oposição promete utilizar todos os instrumentos, inclusive recurso ao STF, para barrar a proposta. Se não for aprovada até terça-feira, medida perde validade

Rosana Hessel
Fernanda Fernandes
postado em 19/06/2021 06:00
Líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ) diz que jabutis inseridos no texto protegem interesses privados e mantêm fontes poluentes de energia -  (crédito: Vinicius Cardoso/Esp. CB/D.A Press - 26/6/19)
Líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ) diz que jabutis inseridos no texto protegem interesses privados e mantêm fontes poluentes de energia - (crédito: Vinicius Cardoso/Esp. CB/D.A Press - 26/6/19)

A nova votação da Medida Provisória que trata da privatização da Eletrobras, na Câmara dos Deputados, deverá ocorrer na próxima segunda-feira. A oposição promete buscar todos os instrumentos possíveis para tentar derrubar a matéria, que tem prazo de validade até terça-feira (22). A estratégia inclui, inclusive, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Enviada pelo Executivo ao Congresso em fevereiro, A MP foi aprovada na quinta-feira pelo Senado com margem apertada, por 42 votos a 37, e foi devolvida para a Câmara porque sofreu alterações. O texto foi bastante criticado por analistas, devido ao excesso de jabutis — emendas não relacionadas ao tema principal da proposta. No geral destinadas a atender interesses específicos.

O relatório do senador Marcos Rogério (DEM-RO) aumentou o número de contrabandos na MP, que já haviam sido muitos na primeira votação na Câmara. Para parlamentares e analistas, como está, a MP deve encarecer a conta de luz para o consumidor, em vez de diminuir, como alega o governo. O impacto das mudanças feitas no texto no Senado não foi divulgado pelo relator durante a votação no plenário, um dos principais pontos de crítica dos opositores da proposta.

De acordo com o relator da MP na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), “a priori”, o texto encaminhado pelos senadores deverá ser mantido, mas ele pretende dialogar com os agentes envolvidos. “Vou conversar com o Marcos Rogério, o governo e os líderes na Câmara. Tudo vai ser construído no diálogo e em harmonia”, disse o parlamentar. Muitas conversas ocorrerão durante o fim de semana.

O governo pretende arrecadar R$ 60 bilhões com a capitalização da companhia, que registrou lucro líquido de R$ 6,4 bilhões em 2020.

A oposição busca alternativas a fim de barrar a proposta para que ela caduque, o que proibirá o governo de enviar outra MP sobre o mesmo assunto ao Congresso neste ano. “Vamos usar todos os instrumentos de obstrução para evitar que esse absurdo seja aprovado”, disse o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição. Ele contou que antecipou o retorno do Rio a Brasília para participar da votação presencialmente e articular as obstruções. Molon não descartou judicializar a questão, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF), apontando indícios de inconstitucionalidade nos contrabandos incluídos por deputados e senadores à proposta, que prejudicam o consumidor. “Estamos conversando com a assessoria jurídica do partido para acionarmos o Supremo”, disse.

O texto aprovado na primeira rodada pela Câmara, em maio, continha vários jabutis, como reserva de mercado para Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e usinas térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, na contramão do programa de diversificação da matriz energética, focada em energia eólica e solar, e do discurso liberal da equipe econômica de ampliar a concorrência do mercado.

A MP prevê a prorrogação, por mais 20 anos, dos contratos das usinas construídas por meio do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Para piorar, o senador Marcos Rogério ampliou a reserva de mercado para térmicas a gás, incluindo a região Sudeste, e ainda passou a prever a construção de um linhão de transmissão ligando o estado dele ao resto do país, sem a necessidade de licenças ambientais. Outro jabuti foi a inclusão de uma indenização de R$ 250 milhões para o Piauí, onerando os cofres públicos e os contribuintes.

De acordo com especialistas, como não há gasoduto nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste ligando as usinas existentes e as que precisarão ser construídas, o custo dessa infraestrutura, em torno de R$ 20 bilhões, vai acabar pesando na conta de luz.

O grupo de entidades empresariais União pela Energia calcula em R$ 84 bilhões o custo total para o consumidor das alterações promovidas pelo Congresso Nacional na medida provisória. “A privatização da Eletrobras vai dar um prejuízo bilionário aos brasileiros”, frisou Molon. “O mundo inteiro caminha para a energia solar e eólica e o governo quer continuar protegendo interesses privados e apostando em fontes de energia mais poluentes”, lamentou o líder da oposição.

Para a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, o relatório aprovado pelos senadores acabou transformando a privatização da Eletrobras em uma proposta medíocre. “Os especialistas do setor elétrico apontam problemas no texto e um expressivo aumento de custos para os consumidores”, alertou.

Alessandra também demonstrou preocupação com o fato de as propostas do Executivo estarem sendo muito desidratadas pelo Congresso, o que é um risco para as reformas mais importantes, como a tributária e a administrativa, que podem ser prejudicadas devido ao enfraquecimento do governo. “O cenário não é positivo e caminhamos para ter medidas aprovadas com efeitos marginais e que não vão ajudar na retomada da economia”, alertou.

 

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Ações da estatal sobem 5,98% na Bolsa

 (crédito: Nelson Almeida/AFP - 10/10/18)
crédito: Nelson Almeida/AFP - 10/10/18

Apesar de todos os problemas apontados por especialistas no texto da medida provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras, os investidores digeriram bem a aprovação da proposta pelo Senado, na noite de quinta-feira. Ontem, as ações da companhia registraram as maiores altas entre os papéis que compõem o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3). No fim do dia, as ações ordinárias (com direito a voto) da estatal, registravam valorização de 5,98%, cotadas a R$ 46,22.

Logo após a abertura do pregão, os papéis da Eletrobras chegaram a disparar 9%, mas a alta perdeu força, acompanhando o movimento geral da bolsa que, sob influência das incertezas do cenário internacional, passou boa parte da sessão no vermelho. “Os mercados continuam com o sentimento negativo após as novas projeções do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos)”, explicou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. Ele se referia à sinalização do órgão de que vai antecipar de 2024 para 2023 o início de um ciclo de aumento dos juros, após revisar de 2,4% para 3,4% a previsão de inflação nos EUA neste ano.

“A ideia dos juros subindo em 2023 é um concorrente para as bolsas a curto prazo. Por enquanto, estão assumindo que a inflação é transitória, mas se ela não diminuir no fim de 2021, o mercado vai precificar alta de juros até o final de 2022”, acrescentou Cruz. A B3, porém, acabou fechando em alta de 0,27%, aos 128.405 pontos. Também refletindo o quadro de instabilidade, o dólar subiu 0,92% e terminou o dia cotado a R$ 5,069 para venda.

No caso da Eletrobras, a perspectiva de lucros com a capitalização da empresa — caso a MP seja aprovada na Câmara na próxima segunda-feira — prevaleceu sobre as restrições feitas por especialistas ao texto em discussão no Congresso. A ação da companhia foi a terceira mais negociada no pregão de ontem da B3. A estatal é a maior empresa do setor elétrico da América Latina, responsável por 30% da geração e 50% da transmissão de energia no Brasil.

A rejeição de destaques como o da retirada de garantias da União, mesmo após a privatização, foi um dos fatores que agradaram aos especuladores, que ignoraram os jabutis colocados na MP para beneficiar interesses de parlamentares governistas e que, segundo especialistas, devem aumentar os custos da energia para o consumidor.

Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, explicou que ainda é cedo para saber o real potencial das ações da Eletrobras. “Mesmo que a MP seja aprovada pela Câmara, a gente segue com riscos no radar”, alertou. De acordo com o analista, entre as ameaças à valorização da Eletrobras, está uma possível judicialização, as premissas que o BNDES usará na modelagem da companhia, a aprovação de contas pelo TCU e até o cenário econômico e político do período. “Provavelmente (a privatização) ocorrerá em 2022, um ano eleitoral, e todos os fatores podem criar um ambiente de riscos a serem levados em consideração”, disse. (Colaborou Rosana Hessel)


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