Entrevista

Ignorar o fenômeno da descarbonização pode deixar países para trás, diz executiva

Karina Saade, executiva da maior gestora global de ativos, faz alerta de que empresas, cidades e países correm o risco de ficarem para trás se não apostarem em emissão zero de carbono

Rosana Hessel
postado em 28/03/2022 06:00
 (crédito:  Eugenio Goulart/Divulgação)
(crédito: Eugenio Goulart/Divulgação)

No mês das mulheres, entre executivas que estão no topo na área em que atuam, a economista Karina Saade, diretora geral da BlackRock no Brasil, ganha destaque. Com extensa carreira na maior gestora de ativos do mundo, a principal executiva no país da gigante internacional conta que o caminho até o topo foi árduo, especialmente, porque preferiu percorrer a trajetória mais desafiadora. "Escolhi o mercado financeiro nos Estados Unidos, porque considerava um setor difícil, particularmente, para uma estrangeira", afirma.

Diante do aumento das incertezas globais devido à guerra no Leste Europeu, a economista reforça que nenhum país ficará ileso aos impactos desse conflito. "Os investidores terão de navegar por um cenário desafiador marcado pelo aumento dos preços da energia, expectativas de inflação e reações dos bancos centrais pelo mundo", alerta.

Karina Saade avalia que, nesse cenário de explosão dos preços do petróleo por conta do conflito deflagrado pela Rússia na Ucrânia, a estratégia de investimentos focados na transição energética e na descarbonização das economias é fundamental.

"Empresas, cidades e países correm o risco de ficarem para trás se não planejarem a transição para um mundo de emissão zero, que irá remodelar a economia real e é material para as carteiras financeiras", afirma. De acordo com ela, enquanto uma transição ordenada em direção à descarbonização beneficiará a economia, inclusive clientes da companhia, a trajetória exata é profundamente incerta, mas "ignorar esse fenômeno não é mais uma opção".

A BlackRock é responsável pela gestão de US$ 10 trilhões em ativos — o equivalente a 6,25 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, considerando o resultado de 2021 em dólar, de US$ 1,6 trilhão, conforme dados do ranking da Austin Rating.

A executiva começou a trabalhar na gestora em 2007, no escritório de Nova York, como analista de crédito sênior. Depois de liderar várias áreas na empresa, fez parte da equipe responsável pela instalação do escritório da BlackRock no Brasil, em 2013. Em julho do ano passado, aos 41 anos, ela assumiu a direção geral da companhia.

Filha de diplomatas, Karina Saade tem um currículo invejável. Graduada com louvor em Economia e Relações Internacionais pela Universidade de Stanford, em 2002, fez um MBA na conceituada Universidade Harvard, em 2007. Antes de ingressar na BlackRock, integrou a equipe do banco Goldman Sachs, em Nova York, com foco em empresas de consumo, varejo e serviços financeiros.

A seguir a entrevista de Karina Saade concedida ao Correio.

Como foi a trajetória profissional, sendo mulher, para conseguir chegar a esse cargo importante que conquistou em uma grande empresa internacional?

Foi um árduo caminho até chegar ao cargo de head da BlackRock no Brasil — maior gestora de ativos financeiros do mundo, com mais de US$ 10 trilhões globalmente sob gestão. Meus pais são diplomatas brasileiros e, desde cedo, me acostumei com as mudanças constantes. Digo sempre que me tornei uma especialista em adaptação, mas não foi fácil aprender a me adaptar, sempre me sentia como a "menina nova do pedaço". Hoje, olhando para trás, avalio que cresci muito com esses desafios, pois acredito que aprendi muito com a necessidade de encarar situações difíceis, persistir e eventualmente arranjar um jeito de tirar proveito desses momentos.

Escolhi o mercado financeiro nos Estados Unidos porque considerava um setor difícil, particularmente para uma estrangeira. Uma das minhas primeiras experiências profissionais foi como analista na Goldman Sachs nos Estados Unidos. Em 2007, comecei a trabalhar na BlackRock onde passei por vários cargos ainda em Nova York e, em 2011, recebi o convite para voltar ao Brasil e auxiliar na construção da operação brasileira.

E quais são os maiores desafios atuais das mulheres nessa área?

Hoje, o maior desafio relacionado às mulheres é a retenção de talentos. Garantir que elas tenham patrocinadores que as representem quando não estão na sala. Cuidar não só do plano de carreira, mas do equilíbrio entre vida profissional e pessoal. É imprescindível sair do discurso e partir para a ação, criando planos de sucessão, propósitos amplos, além de dar acesso sem tirar os méritos dos colaboradores. A gestão de pessoas é sobretudo criar uma visão comum, onde empatia e diversidade são palavras-chave.

Com a guerra no Leste Europeu, quais os maiores riscos para o Brasil do ponto de vista dos investidores?

Para o Brasil e para o mundo, o principal impacto macroeconômico a curto prazo é o aumento da inflação por conta do rápido aumento dos preços da energia na Rússia e na Ucrânia. Isso ocorre exatamente no momento em que os bancos centrais estavam fazendo esforços para conter as pressões de preços. Não temos como negar o impacto do sofrimento humano que vem com a guerra. No entanto, do ponto de vista de investimentos o impacto de uma guerra tem se mostrado muito limitado em termos de duração. Entretanto, não se deve perder de vista o impacto macro sobre a inflação e as consequências para as ações dos bancos centrais. Antes da escalada da guerra, havia uma atratividade de exposição a mercados de ações, descontados aumentos de taxas. A prudência aconselha adiar — mas não cancelar — esta mudança até que haja mais clareza sobre a evolução do conflito.

Os retrocessos na área ambiental têm feito o grupo mudar os investimentos no Brasil ou pode ser um dos motivos para um reposicionamento?

Nosso CEO, Larry Fink, escreveu em sua carta deste ano que todos os mercados exigirão investimentos sem precedentes em tecnologias de descarbonização, incluindo o Brasil. Empresas, cidades e países correm o risco de ficarem para trás se não planejarem a transição para um mundo de emissão zero, que irá remodelar a economia real e é material para as carteiras financeiras. Enquanto uma transição ordenada em direção a descarbonização beneficiará a economia e os clientes da BlackRock, sua trajetória exata é profundamente incerta. Ignorar esse fenômeno não é mais uma opção.

Acreditamos que essa transição de energia global criará oportunidades extraordinárias de investimento nos próximos anos. A BlackRock está trabalhando com seus clientes para ajudá-los a entender, navegar e conduzir (se eles escolherem) essa transição. Estamos oferecendo uma estrutura sobre como investir na transição, como incorporar esses riscos e oportunidades aos objetivos de investimento. Nosso trabalho sobre a mudança climática está enraizado em nosso dever fiduciário como gestor de ativos para melhorar os resultados do investimento para nossos clientes.

Quais são os maiores desafios para o ano de 2022, na sua avaliação?

Os investidores terão de navegar por um cenário desafiador marcado pelo aumento dos preços da energia, expectativas de inflação e reações dos bancos centrais pelo mundo. As tensões entre a Rússia e o Ocidente, e os Estados Unidos em particular, podem evoluir para um longo impasse. Esse é o maior risco este ano.

Frente a esse cenário de mercado, consideramos as commodities como atraentes, pois são um fator efetivo de hedge (proteção) de inflação. Os riscos contínuos para as cadeias de abastecimento devido às crescentes tensões geopolíticas tornam as perspectivas das commodities ainda mais robustas.

É possível ser otimista com a economia brasileira, já que ela cresce tão pouco há mais de uma década?

A BlackRock enxerga que o investidor brasileiro está cada vez mais aberto à diversificação de carteira, e isso foi acelerado pela digitalização da indústria. Essa é a grande oportunidade no Brasil. Isso independe do cenário macro. A verdade é que, no Brasil, as carteiras são muito concentradas em classes de ativos locais. Então, independentemente do cenário macro ou da alta taxa de juros, trazer ativos que não são correlacionados com o Brasil cria uma oportunidade de melhoria de risco/retorno. É uma tendência estrutural que a gestora acredita.

 


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