Mercados

Nervosismo do mercado com política fiscal de Lula derruba bolsa e eleva dólar

Após o presidente eleito questionar controle de gastos, Ibovespa cai 3,35% e moeda americana encosta em R$ 5,40

Raphael Pati*
postado em 11/11/2022 03:55
 (crédito: AFP / Nelson ALMEIDA)
(crédito: AFP / Nelson ALMEIDA)

Incerteza sobre a política fiscal, ruídos sobre a PEC da Transição e comentários do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva geraram um clima de extremo nervosismo, ontem, no mercado financeiro. Principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), o Ibovespa recuou 3,35% fechando o pregão aos 109.775 pontos. Foi a pior queda desde 26 de novembro do ano passado. O dólar, por sua vez, disparou 4,14%, a maior elevação diária desde 16 de março de 2020, e terminou o dia cotado a R$ 5,396.

A "tempestade", como avaliaram alguns analistas, começou ainda pela manhã, quando, em discurso no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Lula teceu críticas ao controle de gastos e afirmou que a prioridade do governo é resolver as questões sociais do país. "Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal neste país? Por que que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos? É preciso fazer superavits? É preciso fazer tetos de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social do país?", questionou o presidente eleito.

Logo após a fala de Lula o Ibovespa chegou a perder 5 mil pontos e a registrar queda de 4,4%. No fim da tarde, na saída do CCBB, questionado por jornalistas, o petista ironizou: "Eu nunca vi um mercado tão sensível quanto o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos de (Jair) Bolsonaro". Em seguida, nas redes sociais, o presidente eleito tentou acalmar os investidores. "Podem ficar tranquilos", escreveu no Twitter.

O estrago, porém, já estava feito. O ruído político fez a bolsa brasileira operar na contramão do exterior, onde o clima foi de euforia. Nos Estados Unidos, após o anúncio de que a inflação ficou abaixo do esperado em outubro, com taxa anualizada de 7,7%, os investidores correram às compras, e o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, terminou o pregão com variação positiva de 3,72%. O Nasdaq, que acompanha as ações de empresas de tecnologia, teve uma alta histórica de 7,35%.

Na leitura do mercado, com a inflação mais comportada, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) não vai precisar carregar a mão na política de juros elevados para segurar os preços, o que é bom para as ações. Na Europa, o ânimo não foi diferente, e as principais bolsas registraram alta firme. O índice Stoxx Europe 600, que reúne ações das maiores empresas do continente, avançou 2,75%.

Por aqui, o cenário foi o oposto. Além das dúvidas sobre a política fiscal, contribuiu para o mau humor do mercado o anúncio, pelo IBGE, de que a inflação voltou a subir, após três meses de queda. Se a tendência persistir, isso significa que o Banco Central pode manter elevada a taxa básica de juros, a Selic, por mais tempo do que o previsto.

Reação a Mantega

Com os investidores pouco inclinados a tomar risco em ativos nacionais, o real teve, de longe, o pior desempenho entre as divisas globais. A moeda brasileira foi também a única relevante, ao lado do peso argentino, a perder valor frente ao dólar.

Os prejuízos no mercado de câmbio e na bolsa se intensificaram com o anúncio de que Guido Mantega, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda, nos governos Lula e Dilma, visto com desconfiança pelos investidores, fará parte da equipe de transição. Com isso, cresceram as preocupações a respeito de quem deve comandar a economia no novo governo.

O economista e professor da USP Luciano Nakabashi avalia que o ideal é trazer um nome com conhecimento e experiência na parte econômica, com passagens em instituições do sistema bancário e financeiro e com boa bagagem e formação econômica. "Seria importante para o futuro governo sinalizar que está preocupado com as contas públicas e que, depois desse gasto adicional decorrente das promessas de campanha, o governo fará o que for necessário para estabilizar a relação dívida-PIB e colocar essa relação em tendência decrescente", afirmou Nakabashi.

"Se ele não faz isso, as incertezas em relação à capacidade de pagamento do governo afetam o câmbio, através da fuga de capitais, o que pressiona a inflação e obriga o Banco Central a aumentar os juros", completou o professor da USP.

Para o economista e sócio da Capital Investimentos, Carlos Oliveira, o mercado quer um nome forte para comandar a pasta da economia. "O Lula demonstrou estar totalmente desesperado por um estouro do teto de gastos. Chegou até a consultar o Banco Central sobre isso. Essas são medidas que o mercado financeiro não aprova. O mercado precisa identificar um 'xerife' nas contas públicas para, depois, dar palanque para políticas sociais", comentou.

Na avaliação da economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, o conjunto IPCA-fiscal pesou sobre a curva, "mas mais o fiscal", sobretudo com as informações de que a chamada PEC da Transição, destinada a acomodar os gastos extraordinários no próximo ano, pode colocar o novo Bolsa Família fora do teto de gastos de forma permanente. "A negociação da PEC de Transição preocupa porque não tem, até agora, anúncio de contrapartidas. Daí veio o IPCA. Não dá para o BC fazer muita coisa, embora seja ainda cedo para dizer se o ciclo de cortes da Selic está em xeque", observou.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo

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