PEC DA TRANSIÇÃO

Armínio Fraga aponta "indícios preocupantes" para o quadro fiscal

"O quadro inspira cuidado e nossa intenção foi construir uma carta construtiva", diz Armínio Fraga, um dos autores da carta endereçada ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva após o petista criticar o mercado

Rosana Hessel
postado em 17/11/2022 18:59 / atualizado em 18/11/2022 00:10
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que pretende abrir um buraco fiscal de quase R$ 200 bilhões fora do teto de gastos no Orçamento de 2023 e as declarações, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na 27ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, realizada no Egito, provocaram um alvoroço no mercado financeiro e mobilizou três importantes economistas, tradicionalmente tucados, e que apoiaram Lula no segundo turno nesta quinta-feira (17/11).

Eles publicaram uma carta endereçada ao petista, que voltou a criticar o mercado financeiro após a disparada do dólar e o tombo da Bolsa, diante da decepção da proposta da PEC da Transição, que já foi apelidada de PEC do Precipício pelo mercado por criar um rombo fiscal gigantesco nas contas públicas do ano que vem.

“Se a Bolsa cair e o dólar aumentar, paciência", disse Lula durante a COP27 sobre a reação dos agentes finceiros com o texto da PEC. A frase do presidente eleito foi o título da carta redigida pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga; pelo ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Edmar Bacha; e pelo ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan endereçada a Lula.

Na missiva publicada, inicialmente, pela Folha de São Paulo, eles reconhecem que não dá para conviver com tanta pobreza no país, mas defenderam a responsabilidade fiscal. De acordo com Armínio Fraga, os indícios que se tem, até agora, antes mesmo do governo tomar posse, “são preocupantes”.  “O quadro inspira cuidado e nossa intenção foi construir uma carta construtiva”, ressaltou.

O ex-presidente do Banco Central disse que o motivo para escreverem a carta foi a preocupação com o agravamento do quadro fiscal que está sendo criado com essa PEC, que está criando um horizonte bastante delicado para o deficit primário, que poderá chegar a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem. Em 2003, quando assumiu o primeiro mandato, Lula herdou um superavit primário de 3,5% do PIB”.

“O que nos levou a escrever a carta foi a sensação de um caminho em direção de centro e uma postura que não estava acontecendo na economia”, disse Armínio Fraga, em entrevista ao Correio. “Havia a esperança, pelo menos minha, de que o presidente Lula voltaria ao modelo de política economica do primeiro mandato. E, até o momento, não pareceu o caso e esse é o pano de fundo”, acrescentou. 

Ao ser questionado sobre uma alternativa à PEC da Transição, ele contou que ele, Malan e Bacha, “não chegaram a debater nesse nível de detalhe”. “Apoiamos o então candidato Lula no segundo turno por razões político-institucionais. Nada a ver com as propostas econômicas e que àquela altura não tinham sido apresentadas”, afirmou.

Após as declarações de Lula durante a COP27, o dólar disparou para mais de R$ 5,50 e a Bolsa desabava mais de 2%. Os juros futuros para os contratos DI com vencimento em 2024, estavam sendo negociados acima de 14%, refletindo aversão ao risco.

Desafios

No texto da carta endereçada a Lula, os três economistas apontaram que o maior desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que precisam ser resolvidos.

“A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto de ação de um grupo de especulares mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo aonobre anseio de responsabilidade social para já ou o quanto antes. O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para demontar a área social”, destacaram os economistas na missiva.

"É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.
É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem", acrescentou o documento.

Veja a íntegra da carta dos economistas


Vai cair a Bolsa? Aumentar o dólar? Paciência?

“Caro presidente eleito Lula,


Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.
A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

Vejamos por quê.

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imaginamos que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.
É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.
O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.

Respeitosamente,

Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan”

 

 

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