conjuntura

Nova alta de juros entra no radar do mercado financeiro

Dependendo do volume de gastos que ficará fora do teto na PEC de Transição, o BC pode ter de subir a Selic, dizem analistas

Rosana Hessel
Rafaela Gonçalves
postado em 24/11/2022 03:55 / atualizado em 24/11/2022 10:31
 (crédito: Raphael Ribeiro/BCB)
(crédito: Raphael Ribeiro/BCB)

A indefinição sobre o volume de gastos que será criado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição levou o mercado financeiro a colocar no radar a possibilidade de o Banco Central voltar a subir a taxa básica de juros (Selic), atualmente na casa de 13,65% ao ano. Analistas de grandes instituições não descartam a retomada do aperto monetário pelo Banco Central, dependendo do texto que for aprovado pelo Congresso e do valor das despesas que ficarem acima do teto.

A equipe de transição do novo governo tenta um acordo para aprovar a PEC que, inicialmente, prevê R$ 198 bilhões de despesas fora do teto, sem qualquer contrapartida do lado da receita ou de corte de outros gastos, o que impacta diretamente no endividamento público. Com a dívida em alta, os credores cobram juros maiores, as perspectivas de inflação sobem e o dólar tende a aumentar.

Falando ontem em um evento promovido pela gestora de investimentos Black Rosk, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mostrou cautela ao analisar a situação do país, mas foi claro ao avaliar que a "incerteza fiscal" representa um "peso importante" no cenário econômico. "É preciso equacionar a necessidade social, mas também gerar um equilíbrio fiscal", destacou o dirigente, sinalizando que o governo precisa manter uma trajetória sustentável da dívida pública.

Campos Neto, porém, evitou fazer especulações sobre a PEC. "É importante a gente ver o que que vai sair, o que significa isso em termos de trajetória de dívida, e, obviamente, faz parte da função do Banco Central reagir", declarou. Ele destacou, ainda, que a independência do BC passará por um teste no novo governo.

"A independência é muito recente. Não é uma autonomia completa, como foi desenhada pelo meu avô lá atrás. Mas acho que ela vai ser testada agora. É a primeira vez que a gente passa por um governo diferente. É muito importante que os diretores entendam que eles têm um mandato, e isso se estende a mim também. É importante que eu fique esses dois anos", avaliou, referindo-se ao período que ainda tem à frente da instituição.

Para analistas, o risco de aumento na taxa básica de juros é proporcional ao valor de despesas sem cobertura que forem aprovadas para 2023 e os anos seguintes. "Dependendo do formato da PEC, o Banco Central conseguirá comportar o risco de quase não cortar a Selic no ano que vem, com os valores de gastos acima do teto ficando entre R$ 120 bilhões e R$ 150 bilhões. Acima de R$ 150 bilhões, o risco aumenta. Entre R$ 150 bilhões e R$ 175 bilhões, a chance de corte na Selic em 2023 se reduz. E, se os valores ficarem entre R$ 175 bilhões e R$ 200 bilhões, já começam a tornar o cenário bastante pressionado e o aumento de juros entra em uma discussão mais complicada", alertou Gustavo Arruda, economista para América Latina do BNP Paribas, ao apresentar a jornalistas as novas perspectivas globais do banco francês.

Na avaliação do economista, um dos maiores problemas é o tempo de duração da autorização de gastos acima do teto previsto na PEC. O recomendável, na sua avaliação, seria apenas um ano, tempo necessário para a discussão de um novo arcabouço fiscal. "Essa autorização de maior gastos é só para permitir que o governo se organize para apresentar uma nova âncora fiscal, sabendo que ele vai ter o primeiro semestre de 2023 para discutir como fechará a conta. É o que está por trás das críticas do mercado. Estamos discutindo uma transição do lado do gasto e não do lado da receita", alertou.

Nos cálculos de Arruda, é possível que o governo eleito pague o novo Bolsa Família de R$ 600 e o adicional de R$ 150 para cada criança com menos de seis anos, além do aumento real de 1,3% a 1,4% no salário mínimo, com menos do que os R$ 198 bilhões propostos na PEC. "Tudo cabe em um valor menor. O importante é saber se vão discutir qual será a âncora fiscal", acrescentou.

Rodolfo Margato, economista da XP, também admitiu os riscos de uma nova alta da Selic. "Nosso cenário base é de que ainda tem espaço para corte dos juros a partir de junho de 2023, com a Selic encerrando o ano em 10%. Mas os riscos estão subindo. Vamos esperar mais informações sobre a composição da equipe econômica do novo governo e a tramitação da PEC. "Se houver deterioração clara da política fiscal, com o montante de despesas fora do teto, isso pressionará as expectativas de inflação. E o mercado discutirá um aumento de juros ou a manutenção dos juros no patamar atual por mais tempo", acrescentou.

No Bradesco, a equipe de economistas chefiada por Fernando Honorato alertou, em relatório divulgado a clientes, que o mercado passou a precificar a possibilidade de o Banco Central retomar o ciclo de aperto monetário. "Em seu balanço de riscos, o Copom (Comitê de Política Monetária) destaca a possibilidade de redução da inflação pela queda dos preços das commodities e por uma maior ociosidade da economia e, do lado da piora, por riscos fiscais e de deterioração de preços de ativos (taxa de câmbio)", diz o documento.

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