Governo Lula

Tebet assume Planejamento e coloca como meta equilibrar o social e o fiscal

Ao assumir o Ministério do Planejamento, a senadora diz estar disposta a colaborar com os desenvolvimentistas Fernando Haddad e Esther Dweck, apesar das convicções liberais. Meta é equilibrar o social e o fiscal

Rosana Hessel
Rafaela Gonçalves
postado em 06/01/2023 03:55
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

Vestida de vermelho na concorrida cerimônia de posse no Ministério do Planejamento e Orçamento, realizada ontem no Palácio do Planalto, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) deixou claro que quer colaborar com o governo Lula, mas sem abrir mão de suas convicções econômicas.

Em solenidade concorrida, Tebet contou à plateia que fez um discurso escrito por ela mesma, com algumas improvisações. Tebet elogiou os ministros da equipe econômica, Fernando Haddad (Fazenda) e Esther Dweck (da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), e deu vários recados para o mercado ao assumir o que ela chamou de uma das pastas "mais importantes" do governo. O tom adotado pela ministra agradou. A Bolsa subiu e o dólar caiu.

Tebet defendeu maior controle fiscal para que o governo cumpra as promessas de inclusão social. Comprometeu-se a não descuidar dos gastos públicos e a conciliar as prioridades de cada ministério com o recurso disponível. Frisou a manutenção da segurança jurídica, da sustentabilidade ambiental e do cumprimento de metas fiscais. "Não há uma política social sustentável sem uma política fiscal responsável; seremos responsáveis com os gastos públicos. Pensando no presente, garantir pão a quem tem fome, abrigo a quem não tem teto, hospitais e remédios aos enfermos e emprego e renda aos desempregados. Pensando no futuro, escola de qualidade, esporte e cultura para as nossas crianças e jovens, agora, hoje, já", garantiu.

A ministra citou como principais desafios o combate à inflação, os juros altos, a miséria e a fome. "Não há problema maior em uma economia do que a inflação, porque ela atinge, principalmente, as camadas mais pobres. O trabalhador não emite moeda. Mesmo que empregado, vê seu poder de compra cada vez mais deteriorado pelo aumento de preços. A inflação também encarece investimentos, atrapalha a criação de empregos e cria uma ciranda negativa", afirmou.

Além de defender uma melhor qualidade na gestão dos gastos públicos, Tebet assegurou maior inclusão social no Orçamento. "O time da economia vai fazer a diferença e vai fazer com que este governo dê certo, fazendo as propostas certas para não faltar o Orçamento para as políticas públicas", garantiu.

A ministra engrossou o coro com Alckmin em favor da reforma tributária, que será coordenada pelo economista Bernard Appy, autor da proposta da reforma da Câmara, a PEC 45/2019, e secretário especial para o tema na Fazenda. "A reforma tributária não poderia estar em melhores mãos e já demorou tempo demais para ser efetivada", elogiou.

Durante o discurso, Tebet contou que ficou relutante em aceitar um cargo no governo, porque o apoio a Lula no segundo turno, segundo ela, "foi incondicional". Disse que estava preparada para assumir qualquer compromisso na área social, mas admitiu que se surpreendeu quando foi convidada para chefiar o Ministério do Planejamento e Orçamento. Tebet tem um pensamento econômico liberal, enquanto Haddad e Dweck são mais desenvolvimentistas.

Tebet relatou a conversa que teve com o presidente Lula. "Presidente, nesta pauta, nós temos divergências econômicas. Ele simplesmente me ignorou, como quem diz: 'É isso que eu quero. Porque eu sou um presidente democrata e um presidente democrata não quer apenas os iguais, ele quer os diferentes para se somar', porque é assim que se constrói uma nação soberana, igual, justa e para todos", contou Tebet, com aplausos da plateia.

A ministra reforçou que a política social é central para o país diante de um momento dramático, em que a "pobreza tem a cara de uma mulher negra". Com um discurso de inclusão, ela frisou que sua pasta tem o dever de servir a todos. "Os pobres estarão, prioritariamente, no Orçamento público", garantiu a senadora, adicionando as crianças, os jovens, os idosos, as mulheres, os negros, os povos originários, as pessoas com deficiência, a comunidade LBGTQIA . "Os trabalhadores estarão no Orçamento. Passou da hora de dar visibilidade aos invisíveis. Tem de abarcar todas essas prioridades, sem deixar de ficar de olho na dívida pública", sustentou Tebet.

Competências

A integrante do governo Lula anunciou também que, entre as competências da pasta, estão a elaboração de subsídios para o planejamento e a formulação de políticas públicas de longo prazo destinadas ao desenvolvimento nacional. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) também devem ficar sob a alçada da pasta.

O ministério assumido por Tebet foi um dos principais temas de debate no período de transição de governo, diante do impasse do rombo fiscal e o aumento dos gastos públicos com os programas sociais previstos pelo governo. A pasta, antes Ministério do Planejamento, do Orçamento e Gestão, acabou sendo dividida em duas pela equipe de transição na formação dos 37 ministérios.

A fala equilibrada da nova ministra agradou os agentes financeiros e ajudou a evitar nova queda na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), que subiu 2,19%, ontem, fechando em 107.641 pontos. Enquanto isso, o dólar caiu 1,85%, e encerrou o dia cotado a R$ 5,352, a menor taxa na semana.

"A leitura que se tem é que a Tebet é um contraponto, na minha opinião, ao Haddad. Os dois serão candidatos em 2026. Por enquanto, ela não pensa em acirrar ânimos. Vai tentar fazer uma gestão da melhor forma possível, trabalhar em complemento com Haddad", avaliou Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset. "Mas o quadro que se tem é esse. O Haddad é mais desenvolvimentista, ela é mais de mercado. A Tebet é um bom quadro do novo governo, mas temos que acompanhar como vai ser a relação dela com Haddad daqui para frente", afirmou.

Credibilidade

A economista Elena Landau, ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), coordenadora do programa econômico da campanha de Tebet à Presidência, no ano passado, esteve no Palácio do Planalto. Ela acredita que a nova ministra deverá trabalhar em conjunto com a equipe da Fazenda na formulação da nova regra para o governo recuperar a credibilidade de que conseguirá equilibrar as contas públicas.

"A Fazenda vai ter responsabilidade fiscal, ninguém traz Gabriel Galípolo e Bernard Appy sem isso", disse a economista após a cerimônia, em referência ao secretário-executivo e ao secretário especial da Reforma Tributária, respectivamente. "Tebet está com a secretaria de Orçamento Federal (SOF). Vão ter que trabalhar juntos. E tem o Galípolo e o Appy, que são pessoas próximas da responsabilidade fiscal. Vai ser trabalho em parceria", completou Landau.

Ela foi convidada mais de uma vez para integrar a equipe econômica de Lula, inclusive, ontem por Galípolo, com quem desceu a rampa de braços dados. Mas até o momento recusou os convites.

O economista e consultor André Perfeito avaliou a fala de Tebet como "profundamente política". "Não poderia ser diferente. Afinal, ela é uma política experimentada, e, assim, se gabarita, caso seja bem sucedida a administração econômica, para a disputa em 2026", afirmou.

Ao comentar a conjunção de heterodoxos e ortodoxos na equipe econômica e com o vice-presidente à frente do Mdic, Perfeito classifica o novo governo como "heterogêneo". "Contudo, se for mantida a sanidade fiscal prometida, isso irá aos poucos ancorar as expectativas", afirmou. Segundo ele, chama a atenção a atuação de Bernard Appy na reforma tributária. "Devemos ver em breve ações do governo nesse sentido, e alerto para o viés que busque a redução da regressividade com tributação", advertiu.

Além de Alckmin, Haddad e Dweck, presenciaram a posse de Tebet a ministra Marina Silva; o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa; o ex-presidente José Sarney (MDB); o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. À tarde, após tomar posse oficialmente, Tebet se juntou a Haddad, e a Esther Dweck em uma reunião com o ministro Rui Costa, no Palácio do Planalto, em um sinal de uma retomada da Junta Orçamentária, agora ampliada. 

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