Sustentabilidade

Ecoturismo transforma e ajuda na preservação de regiões ribeirinhas do país

Enquanto o segmento convencional cresce 7,5% ao ano, a atividade concentrada na natureza possui taxas de 15% a 25%

Rafaela Gonçalves
postado em 03/04/2023 06:00
 (crédito: Divulgação/ Siath)
(crédito: Divulgação/ Siath)

Manaus — O ecoturismo se tornou uma alternativa econômica na preservação da Amazônia. Atualmente, este é o ramo da indústria turística que mais cresce. Enquanto o segmento convencional tem a taxa de 7,5% de crescimento ao ano, a atividade concentrada na natureza possui taxas de 15% a 25%, conforme dados no portal ((o))eco, um dos maiores veículos ambientais sem fins lucrativos do Brasil. De acordo com a Organização Mundial de Turismo (OMT), cerca de 10% dos turistas do mundo procuram o segmento ecológico, com faturamento mundial estimado em 260 bilhões de dólares, sendo que 70 milhões circulam dentro do país.

Trabalhando com turismo há mais de 25 anos na região amazônica, o guia local Josué Basílio afirma já ter enxergado essa mudança de paradigma nos clientes, que buscam por roteiros mais sustentáveis. "Muitas empresas, principalmente as grandes, têm uma consciência maior da necessidade de englobar a sustentabilidade. Claro que ainda existem algumas que não querem mudar, mas isso já passou a ser uma exigência dos próprios clientes", afirmou.

Viajante inquieto, o empresário paulista Ruy Carlos Tone, à frente da Expedição Katerre e do Mirante do Gavião Amazon Lodge, tem como propósito promover o ecoturismo de base comunitária na região de Novo Airão, a cerca de 200 km de Manaus. O prazer de viajar foi descoberto na adolescência do paulista, que acabou se formando em engenharia, antes de fazer dessa paixão mais uma profissão.

Tone rodou o mundo antes de fixar raízes na Amazônia. Em suas andanças, o engenheiro se deparou com iniciativas turísticas vinculadas a projetos socioambientais e em Moçambique, na África, encontrou inspiração para um modelo de negócio um tanto quanto particular, que enxergou potencial de trazer para o Brasil. "Eram hospedagens pequenas, com cinco quartos, em uma cadeia que garantia o sustento de cerca de 100 famílias locais", contou o empresário.

Empregar moradores de Novo Airão e arredores virou uma regra para Tone, ao observar o funcionamento de outros hotéis pelo mundo. "Você vai em qualquer hotel de Maldivas, quantos funcionários locais você tem? Quando estive lá, saí perguntando por curiosidade e não tinha nenhum, eles importam mão de obra. Imagina se eu colocasse um hotel aqui com gente de fora para arrumar os quartos e fazer a limpeza. Eles faziam isso lá e não dá para ser assim. Do que os locais vão viver, se você empregar pessoas de outros lugares?", indagou o empresário, que buscou por parceiros locais. O dono do primeiro barco alocado para a expedição virou sócio da companhia, assim como o guia da época.

Os passeios de canoa nas áreas alagadas da Amazônia, por exemplo, são guiados por indígenas. A empresa também firmou convênio exclusivo com taxistas de Novo Airão para fazer o transfer dos clientes a Manaus.

Rede

Partindo de uma vontade de desenvolver expedições em comunhão com as comunidades do Rio Negro, a Katerre iniciou suas operações em 2004. Conciliando viagens de conhecimento e preservação ambiental, a empresa hoje dispõe de uma frota composta por três embarcações. A expedição oferece incursões pela selva, trilhas aquáticas pelos igarapés e focagem de espécies da fauna amazônica. O ponto de partida é o Parque Nacional de Anavilhanas, no Rio Negro, com mais de 400 ilhas, é o segundo maior arquipélago fluvial do mundo.

Já o Mirante do Gavião, cujo nome homenageia a maior ave de rapina do país, foi aberto em 2014, trazendo uma experiência de luxo para quem deseja se hospedar com conforto no meio da selva. Premiado por revistas de arquitetura, o hotel abriga treze bangalôs erguidos em madeira de lei que remetem a forma de barcos invertidos, e design interior que incorpora materiais da floresta: revestimentos em teçume de fibras naturais, mobiliário de madeira nobre com detalhes em marchetaria, cestarias e peças de artesanato regional — muitos deles, criados pelos profissionais da Fundação Almerinda Malaquias (FAM), ONG a qual o hotel é patrono e apoia.

O modelo de negócio tem como base a economia circular. "É preciso fazer parte da comunidade para que você não seja um corpo estranho e o mais importante, gerar uma renda local que vá ficar na cidade", destacou. De acordo com o empresário, a expedição e a fundação geram, juntas, cerca de 200 empregos diretos e indiretos.

"Não tem como empregar todos, às vezes falta a capacitação, mas a ideia é fazer com que a região se sustente com esse ecossistema criado pelo turismo", acrescentou o empresário, que tem como objetivo criar uma rede de pequenos empregos.

Fonte de renda

A cozinheira Elisangela Melo, 44 anos, trabalhava como diarista e há quatro anos conseguiu conquistar a tão sonhada estabilidade da carteira assinada, graças ao turismo. "Foi uma porta que se abriu para mim aqui em Novo Airão. Era uma região que não tinha muito trabalho, hoje a gente depende do turismo. Eu mesmo não conhecia as belezas da região, tive a oportunidade de conhecer quando comecei a trabalhar aqui", disse a cozinheira.

Além da geração de empregos no município, as expedições pela região se tornaram uma importante fonte de renda para os povos ribeirinhos, que residem nas proximidades do rio e têm a pesca artesanal como principal atividade de sobrevivência. As comunidades também praticam o cultivo de pequenos roçados, extrativismo vegetal e, mais recentemente, veem como uma alternativa o ecoturismo.

Maria Rodrigues, 63 anos, é a matriarca da comunidade ribeirinha de Mirituba, próxima à entrada do Parque Nacional do Jaú. O sustento da pequena vila de 43 moradores vem majoritariamente da pesca e da produção de farinha. "A gente vive do nosso trabalho de roça, fazendo farinha e vendendo nossas coisinhas. Eu também faço peneira, então é uma alegria ver um barco vindo de longe, porque o turismo também é uma ajuda para a gente", contou a indígena.

O município de Novo Airão, foi um dos doze escolhidos pelo Ministério do Turismo (MTur) na última semana, entre 500 concorrentes, para integrar a Estratégia Nacional de Destinos Turísticos Inteligentes (DTI), e receber a consultoria que auxiliará na capacitação e construção de um plano de transformação.

A diretora-executiva da Fundação Almerinda Malaquias (FAM), Telma Lima, destacou a importância do turismo para a fundação. "O nosso artesanato tornou-se conhecido mundialmente, chegou a ser premiado várias vezes pelo Sebrae. E para nós é muito importante, porque se não for o turismo aqui dentro, a gente não consegue vender. As famílias precisam dessa renda e o município tem se organizado", afirmou.

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